O cuidado em preparar a família empresária

Neste mês, temos duas datas que servem como ponto de partida para as reflexões acerca do processo de sucessão nas empresas familiares: o dia das crianças (12) e o dia do professor (15). Afinal, como e quando os herdeiros devem iniciar essa preparação?

Em 2021 a família Votorantim divulgou uma entrevista narrando a trajetória de sucesso nos últimos 103 anos no Brasil que necessariamente passou – e está passando – pelo preparo dos seus herdeiros a partir dos 15 anos de idade.

Mesmo que demonstrem não ter vocação ou não queiram trabalhar na empresa, os herdeiros precisam saber atuar como acionistas. E é natural a complexidade aumentar a cada nova geração, até mesmo pelo número de herdeiros que se multiplica.

Da 4ª geração da Votorantim, por exemplo, faziam parte 23 membros, hoje, a 5ª geração compreende 80. A preparação significa mais que uma excelente educação formal, eles devem conhecer a trajetória da empresa, seus valores e o seu legado.

“A máxima que nos ajudou: tem que antecipar. Se esperar a geração seguinte estar pronta, você corre enormes riscos, inclusive de perder talentos”, disse Cláudio Ermírio de Moraes. Ele explicou ainda que o programa de formação vai até os 35 anos e inclui capacitação para “liderar”.

Em Mato Grosso, temos um cenário peculiar por se tratar de um estado onde o agronegócio é responsável por mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB). Com todos os elementos externos e internos o Valor Bruto da Produção (VBP) da Agropecuária é projetado em R$ 1,357 trilhão em 2022, conforme estimativa realizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Portanto, nada mais justo que uma das preocupações dos nossos produtores rurais seja a sucessão familiar. Antigos hábitos estão sendo retomados, como integrar os filhos desde pequenos à rotina do negócio para que “tomem gosto”, como diz um dos meus clientes, que nos fins de semana costuma levar a esposa e os filhos para a fazenda.

Acontece que algumas décadas atrás, era comum os pais investirem no futuro dos filhos “fora da fazenda”. Eles tiveram acesso a uma educação muito boa, tornaram-se médicos, advogados, empresários, porém, por terem tido pouco contato com a rotina do negócio, uma parte deles não conseguiu dar continuidade ao legado familiar.

Sempre digo que ser membro de uma família empresária é sem dúvida um privilégio, mas traz responsabilidades. A perenidade ao longo das gerações (e isso a família Votorantim mostra muito bem) não vem por acaso, é fruto de preparação e estudo contínuo, algo que o filósofo Leandro Karnal avalia como “learnability”.

A capacidade de continuar aprendendo é um desafio contemporâneo para que possamos nos inserir melhor e mais produtivamente como protagonistas na história do mundo contemporâneo, disse Karnal. É também uma habilidade “chave” para a família empresária: “para que eu possa continuar aprendendo, eu preciso aprender, desaprender e reaprender”.

Voltando a família empresária, existem algumas alternativas a aprender: aprender como ser sócio de um negócio; aprender a ser executivo no negócio; aprender como ser um membro responsável na família a que pertence.

Preparar a próxima geração para herdar e liderar a empresa familiar é o determinante mais importante de uma transferência geracional bem-sucedida. Depende significativamente tanto da geração sênior quanto da próxima geração assumindo papéis ativos no processo.

É preciso existir uma cultura que permita adaptabilidade e agilidade, evoluindo para acompanhar as necessidades e expectativas da geração em ascensão. Sem a capacidade de evoluir com a família e manter um forte vínculo com ela, o risco é alto de se permanecer numa única geração.

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas.

A escolha do CEO e a perpetuação do negócio familiar

Falar em sucessão familiar é sempre um desafio no Brasil. Um dos pontos que chamam mais atenção, hoje, é a seleção estratégica do CEO (Chief Executive Officer), ou simplesmente o executivo principal, que além da qualificação técnica, precisa priorizar o legado da família.

A escolha de um CEO é um processo muito complexo, porque coloca em jogo valores e dinâmicas arraigadas e um conjunto de habilidades especiais. Competências à parte, o profissional precisa entender e apoiar a propriedade familiar, os valores e a cultura da empresa sem deixar de olhar para o futuro.

Quero destacar aqui as vantagens e desvantagens aos diferentes perfis: aqueles que estão dentro da empresa podem estar muito ligados à maneira como são feitas as coisas, o que pode ser prejudicial quando a mudança é necessária, além de uma tendência maior de serem mais tendenciosos e menos práticos. Ao mesmo tempo já possuem credibilidade com o ecossistema da empresa e conhecem a cultura da empresa e da família empresária…

Já os CEOs “de fora” podem não estar tão testados no ambiente da empresa quanto necessário e ainda podem não abraçar os valores o suficiente. Ainda assim, cada perfil pode ser bem-sucedido no contexto certo, mas não em todos os contextos, por isso é importante entender os pontos fortes e as vulnerabilidades de cada um deles.

Pessoas de fora da família podem ter origens variadas fora dos negócios da família antes de ingressar. Podem ser empreendedores como Alexandre Birman (2ª geração), cuja startup fez tanto sucesso que agregou centenas de milhões de dólares em receita à empresa de calçados de sua família, a Arezzo.

Ou podem ser construtores de organizações como Tony Simmons (5ª geração), que construiu uma empresa de manufatura para a Manitowoc Cranes como CEO da Outsider antes de comprar essa empresa e vendê-la, sendo então recrutado pelo fabricante de molho picante (Tabasco) de quinta geração de sua família, McIlhenny Companhia.

A experiência externa dos ‘family outsiders’ pode oferecer maior credibilidade entre a administração e a equipe. Esses CEOs costumam respeitar os pontos fortes da família e da empresa, mas são agentes de mudança agressivos que podem ajudar a empresa a manter o ritmo em setores dinâmicos.

No entanto, é importante fazer algumas destas perguntas ao determinar qual perfil do CEO que se adequa melhor à sua empresa familiar: Onde está sua empresa em seu ciclo de vida? Quais são os principais desafios que sua empresa enfrenta atualmente? Quais são os principais desafios previstos para o futuro próximo? Quais são as visões da sua família e da empresa para os próximos cinco anos?

Ainda, que tipo de mudança, se houver, é necessária para que sua empresa familiar se torne ou permaneça competitiva em seu(s) setor(es)? Quais são as duas ou três habilidades críticas de liderança desejadas em um CEO? Existem membros da família que trabalham atualmente no negócio e estão interessados e capazes de liderar a empresa?

Seja qual for o tipo de CEO que você escolher, ele/ela deve apreciar a cultura de sua empresa, respeitar seus pontos fortes e ser bom em preservar relacionamentos importantes. Porém, também deve ser capaz de afastar a organização das atividades e práticas que a estão impedindo em direção àquelas que podem aumentar os ativos da empresa.

Considere uma pessoa de fora da família especialmente quando é necessária uma reviravolta ou reorientação fundamental da empresa ou quando nenhum membro da família está pronto para ser CEO. Por outro lado, avalie um ‘family insider’ quando a empresa familiar precisa se concentrar na continuidade da cultura e das práticas.

Independente da escolha e mesmo das inovações propostas pelo novo gestor, é importante que os ativos da empresa e todo legado familiar sejam valorizados e preservados, porque, para uma empresa familiar, essa sem dúvida é a alma do negócio!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas (que inclusive recruta e seleciona executivos para empresas familiares).