Governança como estratégia para fortalecer empresas familiares

As empresas familiares são um componente importante da economia, já que representam 75% do PIB global e empregam 75% da força de trabalho no mundo, segundo dados da KPMG. Nesse sentido, a Governança Familiar surgiu como uma importante estratégia para impulsionar o desenvolvimento e a longevidade do negócio.

Os benefícios são construídos à medida em que a Governança harmoniza e normatiza o funcionamento dos principais pilares que sustentam a dinâmica do sistema empresarial, sobretudo aqueles que compreendem subsistemas nas áreas da gestão, do patrimônio e da família. Porém, na prática ainda temos muito para avançar.

A pesquisa ‘Pratique ou Explique: Análise Quantitativa dos Informes de Governança’, realizada pelo IBGC, EY e TozziniFreire Advogados, que foi divulgada em outubro do ano passado, mostra que apenas 65,3% das empresas brasileiras aderem a práticas de governança. Além disso, pouco mais da metade delas têm um plano de sucessão de diretor-presidente.

Conscientizar-se sobre a importância de preparar pessoas – da família ou não – para ocupar os cargos-chaves na empresa talvez seja um dos maiores desafios da governança. Mas a nova postura vai atuar como antídoto para enfrentar os desafios das organizações que compreendem comunicação, transformações do mercado, avanço tecnológico, comércio eletrônico e a própria globalização.

Os pilares de governança nas empresas familiares são conceitos interrelacionados que trabalham juntos para garantir a saúde do negócio, alinhando os interesses da família e da pessoa jurídica, garantindo a continuidade do negócio e a sua conformidade com as leis e regulamentos pertinentes.

Dessa forma, importante ressaltar quais são os três eixos que fazem com que essa engrenagem funcione: a governança corporativa (poder e controle), a governança familiar (senso de pertencimento e união) e a governança proprietária/societária (proteção do patrimônio).

Acredito que a governança é um caminho sem volta, pois temos um mercado que vem impulsionando a implantação de princípios de transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Além disso, uma estrutura de governança madura contribui para que as decisões sejam tomadas no melhor ambiente possível, beneficiando todos conectados a ela, na empresa, família e na sociedade.

A Samsung é um exemplo de empresa familiar que enfrentou problemas de governança em razão de embates entre os seus membros sobre sucessão e estrutura de gestão. Devido a esta dificuldade, Jay Y. Lee, herdeiro e atual presidente executivo da companhia, decidiu que a liderança da companhia não será automaticamente transferida para a quarta geração da família.

Diante deste contexto desafiador, quando é o melhor momento para implantar a governança? Quanto antes, melhor. Isso significa que independe do estágio no qual um negócio familiar se encontra, já que os princípios direcionadores não são engessados e se adaptam a diferentes empresas, com modelos de negócio e objetivos próprios.

Independentemente de onde a família e a empresa estejam em sua progressão, uma discussão sobre como implementar a governança é atualmente um exercício necessário. Para o Doutor (Ph.D.) em psicologia das organizações pela Universidade de Barcelona e economista pela Universidade Mackenzie, em São Paulo, Werner Bornholdt, a implantação da governança acontece de maneira intuitiva:

“É um processo idêntico ao da reforma de uma casa. Começa com um planejamento (concepções iniciais), aprovação do orçamento (disponibilidade de investimentos) e contratação de um engenheiro ou arquiteto (Consultor externo). No primeiro período da reforma, são removidos móveis, quebram-se paredes, geram-se desconforto e ruídos e aparecem as sujeiras. Implementar a governança nas empresas familiares é um processo de mudanças. Mudanças que geram desconfortos iniciais, mas, quando transpostas, o clima é de orgulho, satisfação e prazer. Como uma casa recém-reformada. A governança nas empresas familiares exige que primeiramente sejam identificados os assuntos que dizem respeito à família, à sociedade e à empresa”.

Uma vez concluída essa etapa, os assuntos voltam a ser unidos e integrados, como a reconstrução das paredes e pintura final da reforma. Os instrumentos unificadores são justamente os órgãos de governança, tais como comitês e conselhos (consultivo, administrativo, fiscal, familiar). Quanto mais estruturados e fortes esses órgãos de governança, melhor vão atender as demandas das famílias, dos sócios e dos executivos.

Contar com profissionais de fora da empresa na hora de implementar a governança, a diretriz estratégica e alinhar a gestão da empresa pode ser essencial. Esse profissional buscará atuar de forma imparcial na mediação de conflitos e levar opiniões de outro ângulo para gestores e membros da família, o que contribuirá de maneira muito positiva na tomada de decisões e, consequentemente, na robustez do negócio!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

Ética e propósito são destaques do novo Código das Melhores Práticas de Governança

Recentemente, tivemos uma importante atualização do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa que contou com benchmarking internacional de outros 15 códigos ao redor do mundo, bem como etapas de audiência restrita e pública e sessões especiais no Congresso IBGC do ano passado.

 

Hoje, o Código adotado é principiológico, ou seja, traz um conjunto de princípios que regem a atividade de governança, além de condensar um documento moderno e inspirador. Em relação à 5ª edição (2015), a atual versão destaca a ética e o propósito como fundamentos.

 

Outros pontos importantes revisados se referem a uma nova definição de governança e ao aperfeiçoamento de seus princípios que passam a ser: integridade (novo princípio); transparência, equidade, responsabilização (antes prestação de contas) e sustentabilidade (antes responsabilidade corporativa).

 

Como representante do Capítulo Brasília Centro-Oeste, acompanhei o processo de atualização e posso afirmar que a nova edição busca se aproximar ainda mais de diferentes organizações, de acordo com a maturidade em relação à governança, tipo de organização, arcabouço regulatório aplicável, dentre outros aspectos, valendo para todos os stakeholders e não só para investidores e acionistas.

 

Também se vislumbrou que seja um Código ‘inclusivo’ para que se aproxime de diferentes organizações, a exemplo de associações, cooperativas e startups. Já na Governança Familiar, os códigos têm importantes princípios para nortear os negócios da família e dos sócios.

 

Quero reforçar alguns pontos que considero importantes, entre eles, a integridade:  Como empresa familiar como temos difundido a cultura ética? Como nossas decisões têm sido tomadas? Como a influência de conflitos de interesses tem sido controlada ao que é melhor para o negócio e para a família? O que é melhor para mim? Como temos sido coerentes com nossos discursos e ações? Temos sido leais à empresa e ao negócio? Como temos cuidado das partes interessadas (sócios, comunidade, funcionários, fornecedores)?

 

Sobre a transparência, ela favorece a confiança e melhora o relacionamento com todas as partes interessadas. Então, a reflexão é sobre como temos disponibilizado informações verdadeiras, tempestivas, coerentes, claras e relevantes? Vamos além da situação econômico-financeira? Como questões ambientais, sociais e de governança (sucessão, riscos, futuro do negócio) estão sendo construídas e disseminadas?

 

Na equidade, temos tratado de maneira justa todos os sócios e demais partes interessadas? Conhecemos direitos, deveres, necessidades, expectativas e interesses? Escutamos? Informamos? Quais os rituais e instrumentos de apoio e os meios para que isso aconteça? Vamos além: Como promover justiça, respeito, diversidade, inclusão, pluralismo sem a equidade?

 

A responsabilização vem nos indagar sobre diligência e independência, sobre assumir as consequências (riscos e impactos) e gerar valor a longo prazo. Aqui, o principal aspecto em sociedades em geral e, especialmente nas empresas familiares, é a prestação de contas, pois isso implica em se submeter, em ser avaliado e responsabilizado. É como uma metáfora de que o jogo da vida real é para valer e tem consequências…

 

Para fechar, a sustentabilidade visa fortalecer o protagonismo e a responsabilidade perante a sociedade. Temos planejado de forma a perenizar o negócio familiar? Estamos criando que tipo de impactos e a quem? Como podemos mitigar isso e transformar nossa relação com a sociedade e a natureza?

 

Infelizmente, nos últimos dois anos, algumas empresas têm demonstrado estar na contramão de tudo que buscamos, entre elas, mais recentemente a 123 Milhas gerou prejuízos a milhares de brasileiros que perderam não só o dinheiro investido, mas o sonho adquirido com pacotes de viagens. Toda empresa tem responsabilidades que vão além do próprio lucro, estamos preparados para lidar com isso? Compreendemos que a relação de interdependência é soberana? E que o modelo de crescimento a qualquer custo na verdade tem um grande custo? É justamente nesse ponto que é importante resgatar o propósito das organizações…

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC