A força dos herdeiros para o negócio familiar

Falar sobre sucessão familiar parece um tema batido. Entretanto, levando em conta que mais de 67% das empresas familiares não sobrevivem à passagem da primeira para segunda geração e que, das remanescentes, apenas 86% chegam à terceira, precisamos continuar insistindo: Sim, os herdeiros representam força para a continuidade dos negócios!

 

Um dos problemas ainda é que grande parte dos comandantes das empresas olham para seus filhos como herdeiros naturais que lhes devem obediência. Delegam a eles papéis secundários, enquanto adiam o encaminhamento da sucessão. Com isso, costumam gerar conflitos que acabarão levando à divisão do patrimônio familiar e ao fim da empresa original.

 

“Uma posição pode ser herdada. As qualidades para exercê-la precisam ser cultivadas”. Gosto dessa frase porque mostra que é preciso tratar o tema com a importância e a seriedade que ele tem, afinal, sucessão familiar se trata de um processo contínuo, complexo e desafiador, que envolve a transferência de poder e controle de uma empresa ou propriedade de uma geração para uma mesma família.

 

A sucessão familiar ocorre em três esferas interligadas. Na esfera da propriedade, os desafios envolvem a transferência de bens, como imóveis, ações e patrimônio. Na familiar, os desafios estão relacionados à dinâmica das relações entre os membros da família, incluindo questões emocionais, expectativas e conflitos. Já na esfera dos negócios, é fundamental garantir uma transição suave de liderança, a fim de manter a continuidade e o crescimento da empresa.

 

É possível reverter? Diversas empresas já enfrentaram dificuldades devido à falta de sucessão familiar. No Brasil, podemos citar casos como o Grupo Pão de Açúcar que passou por uma crise nesse sentido e acabou vendendo parte de seus ativos. No cenário mundial, a gigante dos móveis sueca IKEA passou por desafios similares até nomear um novo CEO externo.

 

Preservar o legado dos negócios da família impacta diretamente na economia global, já que eles representam um elemento essencial para a geração de empregos e a sustentabilidade em longo prazo (65% do PIB e 75% dos empregos gerados no Brasil – IBGE 2021). São caracterizadas pela propriedade e gestão familiar, que transmitem valores, tradições e conhecimentos de geração em geração.

 

Nesse contexto, os herdeiros desempenham um papel fundamental ao trazer consigo não apenas a responsabilidade de preservar a tradição e os valores familiares, como a força necessária para impulsionar o negócio rumo ao futuro. Por isso, um dos principais benefícios dos herdeiros em um negócio familiar é o conhecimento adquirido ao longo dos anos, que mesclam princípios e vivências práticas.

 

Eles também costumam ter um forte senso de compromisso e lealdade com o negócio familiar, pois compreendem que a sua participação é essencial para a preservação da empresa e o bem-estar da família. Quando incentivados, desenvolvem forte visão empreendedora e a capacidade de inovação dos pais e/ou avós. Além disso, costumam observar as tendências do mercado, identificar lacunas e desenvolver soluções criativas.

 

Portanto, a sucessão bem planejada é crucial para a continuidade do negócio familiar. Assim, os herdeiros têm a oportunidade de se preparar e serem capacitados para assumir papéis de liderança. Através de programas de desenvolvimento de talentos, mentoria e aquisição de habilidades relevantes, eles podem se preparar para enfrentar os desafios e responsabilidades que acompanham a gestão da empresa.

 

A transmissão de conhecimento entre gerações pode inclusive promover uma cultura de aprendizado contínuo, em que os herdeiros se beneficiam da experiência acumulada pelos seus antecessores. Na Gerdau, maior multinacional brasileira produtora de aço, por exemplo, o processo de sucessão foi meticuloso, ocorrendo entre 2000 e 2006, com o apoio de cinco consultorias internacionais.

 

O então presidente do grupo, Jorge Gerdau Johannpeter, exigiu um protocolo rigoroso, com cronograma escrito em documento e regras claras para a preparação dos candidatos. A empresa instituiu um conselho executivo e admitiu membros independentes em seu conselho de administração.

 

Apenas após avaliações sucessivas, a disputa ficou entre os primos André e Claudio Gerdau Johannpeter. O anúncio do vencedor, André, foi feito às vésperas de sua posse como CEO da organização. No mesmo momento, Jorge Gerdau assumiu a presidência do conselho de administração e Claudio se tomou diretor-geral de operações (CCO), o número dois da organização.

 

Existem vários outros exemplos bem-sucedidos no Brasil. Na lista, estão herdeiros que inovaram em suas empresas, trazendo novas ideias e abordagens de forma notável, entre eles estão Eduardo Saverin (Facebook), Jorge Paulo Lemann (AB InBev – Ambev), Guilherme Benchimol (XP Investimentos), Luiza Helena Trajano (Magazine Luiza) e David Vélez (Nubank).

 

Tudo bem que não tem como a gente se comparar com os “gigantes” do mercado, mas, segundo o cientista Albert Einstein, “insanidade é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados diferentes”. Afinal, o que você está esperando para iniciar este processo na sua empresa familiar?

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

Governança Familiar: um olhar para além do horizonte

Mesmo durante a maior crise mundial, a JBS S.A. apareceu na 22ª posição no Índice das Empresas Familiares de 2021, colocando o Brasil à frente da maioria das 500 maiores companhias do planeta, avaliadas pela EY. Se existe uma estrada para o sucesso, algumas companhias já descobriram.

Outras nove empresas brasileiras fazer parte dessa lista: Marfrig Global Foods S.A., Metalúrgica Gerdau S.A., Votorantim Participações S.A., Companhia Siderúrgica Nacional, Magazine Luiza S.A., Cosan Ltda., Energisa S.A, WEG S.A. e Porto Seguro. Afinal, o que elas têm em comum? Qual o segredo do êxito?

Eduardo Carone, CEO da Atlas Governance, afirma que o nível de organização é fundamental: “Quando você mora sozinho numa ilha deserta, não precisa de regra para nada, pode acordar, comer, nadar e fazer tudo que tiver vontade na hora que quiser. Mas se você morar com mais um ser humano, já precisa ter governança, ou seja, regras de funcionamento e convivência”.

A governança familiar é hoje uma exigência para as empresas familiares que buscam perenidade no mundo dos negócios, principalmente em cenários de crise ou mudanças constantes. É importante destacar que o conjunto de regras serve tanto para grandes corporações, quanto para pequenas.

O primeiro passo é justamente separar o que é “família” e o que é “empresa”. Depois estabelecer regras claras para o funcionamento das relações que envolvem família e negócios, de modo a contemplar todas as gerações existentes na família. As regras do jogo devem ser definidas em conjunto, respeitadas por todos do clã e revisitadas a cada ciclo.

Segundo Werner Bornholdt, implantar a governança nas empresas familiares é um processo idêntico ao da reforma de uma casa. “Começa com um planejamento (concepções iniciais), aprovação do orçamento (disponibilidade de investimentos) e contratação de um engenheiro ou arquiteto (Consultor externo). No primeiro período da reforma, são removidos móveis, quebram-se paredes, geram-se desconforto e ruídos e aprecem as sujeiras”.

Ele explica que colocar em prática a governança nas empresas familiares é um processo de mudanças, que geram desconfortos iniciais, mas, quando transpostas, o clima é de orgulho, satisfação e prazer, a exemplo de uma casa récem-reformada.

A governança nas empresas familiares exige que, primeiramente, sejam identificados os assuntos que dizem respeito à família, à sociedade e à empresa (3 círculos do prof. John Davis). Uma vez identificados, precisam ser separados e isoladamente compreendidos. Concluída essa etapa, voltam a ser unidos e integrados, como a reconstrução das paredes e pintura final da reforma.

O processo de junção e de integração dos sistemas familiar, societário e empresarial se dá por meio de canais de comunicação transparente e de ferramentas. Esses instrumentos unificadores são os órgãos de governança (comitês, conselhos: consultivo, administrativo, fiscal, familiar). Portanto, os órgãos de governança formam e reforçam a integração entre os sistemas por meios de canais competentes. Uma empresa adequadamente estruturada com os órgãos de governança atende às demandas das famílias, dos sócios e dos executivos e forma o alicerce para sua perpetuação.”

A implantação da governança nas empresas familiares, cria condições para que o sonho do fundador, de criar empresas capazes de aliar rentabilidade, crescimento sustentável, capital humano profissionalizado em todos os níveis e, perenidade de gerações, contagie a família no querer se tonar uma família empresária de um negócio com: modelo de gestão fortalecido, alta valorização, redução de riscos, respeito pela sociedade, rentabilidade esperada pelos sócios, sucessor qualificado e perenidade.

Diferente do que imaginamos, o que costuma quebrar mais de 70% das empresas brasileiras não são grandes ameaças externas, mas a falta de organização e planejamento; a ausência de visão estratégica, que nas empresas familiares remetem à sucessão não planejada; e a uma visão de curto prazo tomada pela competência tradicional de excelência operacional.

Enfim, esse é o “G” de Governança da tão falada sigla ESG. Significa que para reverter esse quadro vamos precisar profissionalizar a família empresária.

Um CEO de terceira geração de uma empresa familiar multibilionária nos EUA compartilhou: “Quando todo mundo está operando a máquina, há uma tendência de olhar para o curto prazo e focar nas oportunidades incrementais e não olhar para as oportunidades realmente grandes. O que está no horizonte? O que está além do horizonte?”.

A minha pergunta para você e sua família: o que estão fazendo para ir além do horizonte? A Governança certamente pavimenta essa rota!

 

Cristhiane Brandão – Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas