Como sua empresa familiar lida com conflitos?

Imagine um quebra-cabeça onde cada peça representa uma geração, ora de membros da família empresária, ora de acionistas sem vínculo sanguíneo. Todos com suas discordâncias, engessamentos e consequências negativas que afetam não só as relações, como o negócio.

 

Nesse contexto, a arte de mediar conflitos se tornou mais que uma habilidade estratégica, é um pilar de sobrevivência empresarial. Desafio que muitas vezes requer a atuação de uma terceira pessoa imparcial e com uma escuta ativa para mediar as relações e avançar no processo de construção de diálogo, seja no grupo que for.

 

Um dos mestres mundiais na área é Daniel Shapiro, professor de Harvard e autor de várias obras, entre elas a clássica “Negociando o Inegociável”, que mostra que onde há um conflito, há uma tríade envolvida: identidade, emoções e razões. Para fazer a “mediação”, é importante compreender o DNA das partes envolvidas: trajetórias, crenças, expectativas, frustrações e traumas…

 

Ferir a identidade de alguém é algo muito sutil e profundo, e inclusive imperceptível pelo lado de quem fere. Há muito tempo aprendi – e realmente acredito – que todas as decisões, por mais que tenham explicações racionais, primeiro são emocionais e essa emoção precisa ser compreendida, absorvida, refletida e respeitada.

 

Como as pessoas reagem aos conflitos: há os que fogem, há os que ignoram e há os que enfrentam. Hoje, como vivemos mais e temos uma convivência intergeracional maior, se não aprendermos a tolerar, a aceitar, a conversar e a trocar ideias, as diferentes gerações virarão guetos dentro de casa e na sociedade.

 

Outro desafio, é que passamos da era da sobrevivência para a era da autorrealização e isso muda tudo! Mais uma vez. O que estamos dispostos a fazer? A aceitar? A tolerar? A ceder? O que faz sentido nesse “modus” de viver?

 

Também precisamos  considerar que temos um convívio mais “tecnificado” e superficial, com diálogos limitados e muita capacidade de distração e elucubração. Além disso, a polarização está introjetada na nossa sociedade, pois usamos mais “ou” ao invés do “e”, o que vem gerando inclusive a judicialização de inúmeras questões que poderiam ser resolvidas com diálogo.

 

Janeiro é um mês que tradicionalmente debatemos saúde mental e emocional, mas esse é um tema que deveria pautar nossas reflexões do ano todo, já que tem a ver com estabelecer limites, organizar a rotina, cultivar relacionamentos positivos e buscar ajuda profissional.

 

Aliás, essa é a maturidade que precisamos para lidar com os conflitos. Para colocá-los na mesa, e escolher quais embates devem ser feitos, quais acordos devem ser pactuados ou repactuados. E sempre cabem três perguntas: “o que aconteceu?” (para entender o passado), “o que precisamos?” (para definir o presente) e “como podemos nos reconciliar?” (para construir o futuro).

 

O autoconhecimento e o desenvolvimento contínuo de habilidades também ajudam a avançar nas “soft skills” para lidar com conflitos. Mas nada se compara à implantação da governança, que pode ser essencial tanto na família (Governança Familiar), quanto nos negócios (Governança Corporativa) por estar comprometida com regras pré-acordadas e princípios sólidos de ética, transparência e respeito.

 

Construir Governança é investir em um ambiente mais acolhedor e produtivo, onde prevalecem a colaboração e a comunicação aberta, bem como o amadurecimento emocional coletivo e individual. Como profissional de Governança Familiar e Corporativa, senti a necessidade de aprimorar e avançar em Mediação.

 

“Um mediador de conflitos é um arquiteto da paz”, conforme descreve Jean Carlos Dal Bianco, mediador e pacifista. Dou as boas-vindas ao ano de 2025 com este propósito. Vamos juntos?

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Vice-Coordenadora Geral do Núcleo Centro Oeste do IBGC.

 

 

A força dos conselhos para empresas familiares

Empresas familiares são pilares da economia global, responsáveis por uma parcela significativa do PIB em diversos países, entre eles o Brasil. Contudo, elas enfrentam vários desafios para se manterem firmes em um mercado em constante evolução, o que vem exigindo um conjunto de estratégias que garantam a sua perenidade.

 

As questões que afetam essas empresas geralmente são similares, entre elas, falta de planejamento da sucessão, o que faz com que apenas 25% sobrevivam à segunda geração; conflitos de interesse entre as posições ocupadas pela família no negócio e geram desarmonia; e a falta de profissionalização da gestão.

 

Com a governança familiar e a governança corporativa, vai ser possível construir um conjunto de processos, normativas, estruturas e práticas para otimizar o valor da empresa, assegurar sua longevidade e alinhar os objetivos da família para com seus investimentos e negócios. Dessa forma proprietários, colaboradores, sociedade, e outros stakeholders envolvidos podem sentir sustentabilidade e crescimento.

 

Um dos primeiros passos nessa jornada é a criação de conselhos, entre eles, o Conselho de Família, o Conselho de Administração e/ou o Conselho Consultivo. Cada um com a sua função, sendo o primeiro responsável por definir os valores e a missão da família, além de discutir questões familiares como interesses, conflitos, expectativas, ética, conduta, entre outros.

 

Já o Conselho de Administração é um órgão colegiado composto por profissionais, executivos e especialistas multidisciplinares com a função de zelar pelo direcionamento estratégico, reestruturação de processos e com o retorno positivo sobre os investimentos. Por fim, temos o Conselho Consultivo, um órgão colegiado que auxilia os sócios e acionistas na tomada de decisões estratégicas.

 

Apesar de ser apenas orientativo, o Conselho Consultivo é um importante passo para profissionalizar a empresa, pois reúne funções como: reforçar e alinhar missão e valores da empresa; construir visão de longo prazo e monitorar a condução da estratégia do negócio; melhorar a qualidade dos relatórios gerenciais; sugerir ou aprimorar mecanismos de gestão de riscos, ética, inovação e de transações entre partes relacionadas; ainda facilitar a comunicação.

 

A presença de conselheiros independentes cria um espaço salutar para mediar divergências e alinhar os interesses de todos os membros da família. Além disso, permite insights valiosos que poderão orientar (os membros dos outros dois conselhos) em decisões voltadas aos interesses do mercado. Na prática, esse olhar técnico e apurado vai fazer a diferença no sentido de observar oportunidades e evitar riscos, estando sempre um passo à frente.

 

Na hora de compor o Conselho Consultivo, busque, primeiramente, conhecimento. Priorize a composição a partir de especialistas em suas áreas de atuação, que podem administração, vendas, jurídico, marketing, além de conselheiros profissionais, que possuem certificação em governança corporativa e podem promover a manutenção das boas práticas de governança.

 

Outro fato primordial é que sejam profissionais independentes e que não atuem de modo a não favorecer algo ou alguém e, consequentemente, criem conflitos de interesses com ou entre os sócios. Vale a pena investir em diversidade: de idades, gêneros, áreas de atuação e conhecimentos especializados. Quanto mais pontos de vista complementares, mais ricas serão as recomendações para a organização.

 

Recentemente, estive em São Paulo com a presidente do Conselho do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, listada pela revista Time como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo. Ela diz que em sua sala de trabalho há uma frase de São Francisco de Assis que sempre a direciona: “Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e, de repente, você estará fazendo o impossível”.

 

Atuando há quase uma década com Governança Familiar, observo que o início dessa jornada é desafiador. Começamos fazendo o necessário, com muita determinação e resiliência, para depois ampliarmos para o possível. Então, o que parecia impossível se torna uma realidade: transformamos cenários que poderiam significar um “fim” em um “futuro” promissor para a empresa familiar.

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

 

 

Os desafios da Geração Z em relação à sucessão familiar

Recentemente, eu li uma reportagem preocupante: ‘um a cada quatro jovens candidatos a vagas de emprego levou os pais para a entrevista’. Mesmo que o levantamento tenha sido realizado nos Estados Unidos, infelizmente, reflete um perfil comum nesta faixa etária que exige muita atenção, especialmente para as empresas familiares.

 

Segundo o levantamento da Resume Templates (2024), 70% dos integrantes da Geração Z pediram ajuda dos pais para procurar emprego e 25% os levaram nas entrevistas. Outra pesquisa da empresa Intellingente (2023), também nos EUA, mostrou a dificuldade dos jovens para elaborar inclusive o próprio currículo, ou, uma vez contratados, em se adequar às regras corporativas.

 

Esse cenário tem gerado um grande debate social. Apesar dos críticos de plantão, compartilho do otimismo de John Davis, fundador e presidente do Cambridge Family Enterprise Group, maior autoridade em gestão de empresas familiares do mundo. Em um dos seus artigos, ele diz que é inevitável aprender a conviver com as diferenças aproveitando o melhor de cada geração.

 

“(…) Antes era comum ter dois ou três grupos de idades diferentes trabalhando juntos num negócio familiar. Mas, agora, há quatro. É claro, há pessoas com mais de 80 anos nas nossas famílias, e pessoas mais novas que 14 anos nas nossas famílias também. Então, você pode ter, na verdade, seis grupos de gerações diferentes em uma família hoje. O que é um fenômeno novo surpreendente”.

 

As mudanças já bateram à nossa porta! De acordo com o último censo do IBGE, a população brasileira entre 15 e 29 anos passa de 21,1 milhões. É nessa faixa etária que está a Geração Z, composta por pessoas que nasceram entre os anos de 1997 e 2010, e que já corresponde a mais de 10% dos 203 milhões de habitantes do país. Então, o que tem feito a família empresária?

 

Se o objetivo é buscar a longevidade do negócio, é preciso dar atenção às questões que afetam o jovem, como transformações físicas, emocionais e as decisões que envolvam sua carreira profissional. Em se tratando da sucessão familiar, é preciso mais do que formação educacional, o herdeiro deve desenvolver capacidade de cumprir metas, liderar, tomar decisões e ter resiliência para superar desafios.

 

O problema é que grande parte das famílias têm agido de forma contrária, elas têm protegido excessivamente seus herdeiros, poupando-os de situações difíceis, o que impede o desenvolvimento de autonomia e responsabilidade. Uma forma de contribuir com o amadurecimento emocional e profissional do herdeiro, por exemplo, é trabalhar em uma empresa que não seja da família, assim ele desenvolve suas próprias competências sem ser visto como o “filho do dono”.

 

Cada família vai ter seu jeito de iniciar o processo. Segundo João Marcos Ávila, CEO do Grupo Avilages, de apenas 21 anos, a paixão pelo negócio começou pela parceria desenvolvida com o seu pai, que permitiu que ele participasse do dia a dia da empresa desde muito pequeno, sempre com a oportunidade de assumir responsabilidades e tomar decisões sozinho: “a melhor maneira de desenvolver alguém, é dar a ela uma cadeira maior do que ela pode sentar”, frisou.

 

Como estamos diante de uma nova geração que pensa, sente e tem objetivos de vida muito diferentes dos nossos, é fundamental construir uma relação próxima a eles. Ao invés de criticar, ou de superproteger, a proposta é atuar de maneira a prepará-los para as responsabilidades que estão por vir, repassando todo conhecimento e permitindo que tenham liberdade para questionar inclusive o próprio papel na organização.

 

Nem todo herdeiro vai ser um sucessor, no entanto, ele precisa estar qualificado para atuar como “um bom acionista”. Uma frase do Nelson Cury Filho vem reforçar tudo isso que falamos, de que “o legado familiar é mantido por meio do fortalecimento da individualidade e do empoderamento dos herdeiros para que se tornem protagonistas de suas próprias histórias”. Fica o convite para colocar isso em prática o quanto antes na sua família empresária e em sua empresa familiar!

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

O legado do ‘pai-fundador’ para a empresa familiar

A figura do pai, fundador do negócio, é crucial na consolidação dos valores, princípios e da visão que norteiam a empresa familiar. Ele não é apenas o responsável por dar início à empresa, como pela transmissão de um conjunto de ensinamentos que, se bem preservados, podem garantir a continuidade e o sucesso ao longo das gerações.

 

O pai fundador é, em essência, o pilar sobre o qual a empresa se sustenta. Seu espírito empreendedor, resiliência diante das adversidades e capacidade de inovar são qualidades que definem a cultura organizacional. Esses valores moldam a identidade da empresa e são transmitidos, direta ou indiretamente, aos membros da família que se envolvem na gestão do negócio.

 

Preservar o legado implica, em primeiro lugar, em valorizar e perpetuar os valores que o fundador incorporou à empresa, o que significa mais que as práticas operacionais; trata-se de garantir que a cultura organizacional, o respeito pelas tradições e a ética nos negócios sejam mantidos ao longo do tempo. As empresas familiares que conseguem transmitir esses valores tendem a ser mais resilientes e a prosperar em ambientes competitivos.

 

Essa transmissão de valores requer um esforço consciente que pode ser feito por meio de mentorias, treinamentos e na criação de uma governança familiar que assegure que todos estejam alinhados com os objetivos e a visão de longo prazo estabelecidos pelo pai-fundador. Não se trata apenas de documentar as diretrizes da empresa, exige envolvimento dos herdeiros e outros membros da família em processos que garantam a compreensão e a internalização desses princípios.

 

Sem o processo de governança – e de estruturação desse legado – se torna muito mais difícil e complexo o processo de transição de liderança na empresa familiar. Muitas vezes, o fundador tem uma visão única e uma maneira particular de conduzir os negócios que nem sempre é facilmente replicada por seus sucessores. Por isso, é essencial que essa transição seja planejada com cuidado e que o conhecimento acumulado pelo fundador seja transferido de forma clara e sistemática.

 

O envolvimento precoce dos sucessores na gestão da empresa é uma estratégia eficaz para garantir a continuidade dos valores e práticas do fundador. Além disso, a criação de um conselho de administração que inclua membros da família e profissionais externos pode ajudar a mediar a transição, oferecendo diferentes perspectivas e garantindo que a empresa não perca de vista os princípios que a tornaram bem-sucedida.

 

Inovação e adaptabilidade são palavras-chave nesse contexto. Embora seja fundamental preservar o legado do pai-fundador, é igualmente importante que a empresa familiar seja capaz de inovar e se adaptar às mudanças do mercado. O desafio geralmente está em encontrar o equilíbrio entre manter as tradições e abrir espaço para novas ideias e tecnologias que possam impulsionar o crescimento da empresa.

 

É importante destacar que empresas familiares bem-sucedidas são aquelas que conseguem incorporar a inovação em seus processos sem comprometer os valores essenciais estabelecidos pelo fundador. A importância do pai-fundador (ou mesmo avô-fundador) para a empresa familiar não pode ser subestimada. Na prática, significa a capacidade de evoluir e se adaptar ao mesmo tempo em que se mantém fiel às raízes.

Somente assim a empresa poderá honrar seu passado enquanto se prepara para os desafios do futuro, mantendo viva a essência do pai fundador em cada uma de suas realizações. Alguns exemplos de empresas longevas no Brasil nos mostram isso, entre elas, podemos citar Cervejaria Bohemia (1853), Casa Granado (1870), jornal O Estado de S. Paulo (1875) e Hering (1880).

A Hering, por exemplo, é uma das mais tradicionais empresas de moda brasileira, fundada no ano de 1880 pelos irmãos alemães, Bruno e Hermann Hering, na cidade de Blumenau (SC). A empresa começou uma pequena fábrica de malhas e tricô, que ao longo dos anos se transformou em um dos maiores conglomerados de moda. Além de inovações constantes, slogans criativos, preços acessíveis, a empresa incorporou algumas inovações para ser reconhecida como uma “marca sustentável”. Em 2021 foi adquirida pelo Grupo Soma, “união de gigantes” para potencializar a geração de valor no mercado da moda.

Será que tudo isso seria possível sem um entrosamento harmônico entre passado e futuro? Entre o legado deixado pelos fundadores e os continuadores (sucessores)? Neste Dia dos Pais, quero deixar esta reflexão sobre a importância de conservar nossas raízes, porque são elas que nos garantem resistência para atravessar momentos de tempestades, e que nutrem nossa coragem para poder voar rumo ao sucesso que almejamos em nossas vidas e que estão conectadas à vida no Planeta! Parabéns, pais, avôs e demais figuras paternas que representam essa força amorosa para todos nós!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

Por mais mulheres nos Conselhos de Administração

A equidade ainda é um longo caminho a ser percorrido no mundo dos negócios. Pelo menos é o que aponta um levantamento comparativo do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) mostrando que, entre 2021 e 2023, o número de mulheres em assentos do conselho de administração subiu de 12,8% para 15,2%.

Mesmo com avanços sucessivos, a desigualdade de gênero persiste, o que justificaria o projeto de lei 1.246/2021, aprovado no final de 2023 na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que impõe reserva mínima de 30% das vagas de membros titulares em conselhos de administração de sociedades empresariais para mulheres.

Polêmica ou não, a medida faz parte de um conjunto de  políticas públicas que visam impulsionar uma maior participação de mulheres em espaços de lideranças, entre eles, os conselhos de administração das organizações. Nesse sentido, o Brasil se espelha na Noruega, primeiro país no mundo a exigir um mínimo de 40% de participação feminina.

“A igualdade de gênero e a diversidade podem contribuir para mais inovação, um melhor ambiente profissional, decisões mais inteligentes e mais valor agregado”, destacou no ano passado o ministro do Comércio e da Indústria norueguês, Jan Christian Vestre, que aponta como positivo o equilíbrio na participação entre homens e mulheres.

Um estudo conduzido por Margarethe F. Wiersema, da Universidade da Califórnia, e Marie Louise Mors, da Escola de Negócios de Copenhague, que ouviu membros dos boards de mais de 200 empresas de capital aberto dos EUA e Europa, também concluiu que a presença de mulheres afeta positivamente os conselhos de administração.

As pesquisadoras descobriram, por exemplo, que as mulheres costumam ir muito bem preparadas para as reuniões, elaboram perguntas aprofundadas, o que reflete  autonomia e racionalidade. Normalmente, a postura delas contrasta com os estereótipos de que sejam “emocionalmente sensíveis” e não teriam condições de sustentar um debate.

No Brasil, os dados mostram que a situação é bastante precária no quesito de diversidade de gênero não só nos conselhos, como nas diretorias. Um levantamento feito no ano passado pela B3 com 343 empresas apontou que 55% delas não têm mulheres entre seus diretores estatutários e 29% têm apenas uma.

Para piorar a situação, que já é desafiadora em termos de representatividade, as entrevistadas relataram que a opinião delas tinha peso diferente. Elas costumavam ser vistas como especialistas em determinado assunto e ignoradas em seu conjunto completo de experiências e conhecimentos, o que era válido para uma ou várias mulheres juntas.

Mesmo enfrentando adversidades, ficou constatado que a presença de mais mulheres durante as reuniões afeta a percepção dos homens, diminuindo a competitividade e estimulando a troca de conhecimento e de experiências. Além disso,  amplia o leque de temas debatidos, o que afeta as tomadas de decisão da empresa.

Acompanhando a linha de raciocínio até fica perceptível o que quanto empresas (públicas e privadas) e sociedade ganham com a equidade de gênero e com a ampliação da diversidade de modo geral. Mas isso não vai acontecer apenas com decisões de cima para baixo, ou seja, não é apenas por força de uma lei. Temos que continuar atuando para que mudanças sociais e culturais aconteçam.

Lugar de mulher é onde ela quiser, e se essa mulher pertencer a uma família empresária? Qual é o peso emocional para ela? Será vista somente como herdeira? Poderá ser vista como uma potencial sucessora? Terá oportunidades iguais no negócio? Ou no Conselho de sua empresa familiar? Poderá ela contribuir na mesma proporção, liberdade e vontade que outros membros masculinos da família? Não há como avançar, se certos tabus e vieses não forem enfrentados…

Existe um provérbio alemão que diz assim: “mudar e melhorar são duas coisas diferentes”. Não há como negar as mudanças que o mundo viveu nos últimos 145 anos. Saímos da luz de vela para a energia elétrica (Thomas Edison, 1879); e assim viemos, sucessivamente, agregamos milhares de outras tecnologias. Por outro lado, nos agarramos a valores e crenças obsoletas que emperram o equilíbrio e o progresso da sociedade!

Sim, sou uma defensora da pauta da diversidade e inclusão por acreditar que ela é importantíssima para construir mudanças mais profundas. É inegável que os mercados e a sociedade estão mais atentos e tendem a reconhecer iniciativas que promovem maior variedade de experiências, valores, conhecimento e comportamentos. Para completar, a pauta contribui (e muito) para alavancar a performance financeira!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

Geração Nutella x Geração Raiz nos negócios

A grande transformação geracional pela qual o mundo está passando tem impactado na longevidade dos negócios, sobretudo entre famílias empresárias. De um lado, temos pessoas nascidas antes de 1980 ou “geração raiz” que ocupa a maior parte dos cargos de liderança, e do outro a geração considerada “nutella” que já concentra cerca de 30% da população do Brasil e 50% da força de trabalho atual.

 

Os números da pesquisa Millennials – Desvendando os hábitos da Geração Y no Brasil (Itaú BBA, 2019) – apontam ainda que até 2030 a nova geração representará mais de 70% da força de trabalho. Esse assunto é tão sério que foi tema de uma pesquisa da Cambridge Family Enterprise Group (CFEG), que acompanhou como as quatro gerações atuais abordam vida e trabalho e qual o reflexo disso nas empresas familiares.

 

“Estamos particularmente preocupados com a confusão e o conflito que podem surgir quando múltiplas gerações – especialmente da mesma família – se reúnem à mesa de conferências. Nossa pesquisa visa compreender melhor como as diferenças geracionais podem ser transformadas em vantagens e oportunidades”, destaca um trecho do artigo dos professores John A. Davis e Jennifer M. Silva.

 

São descritos quatro grupos geracionais principais: Baby Boomers (1946-1964), Geração X (1965-1980), Geração Y ou Millennial (1981-1996) e Geração Z (1997-2010). Com o grande desenvolvimento da tecnologia e da informação no mundo, as mudanças têm sido cada vez mais rápidas desde os “Baby Boomers”, intensificando-se com os Millennials, que são os netos dessas famílias e os jovens trabalhadores.

 

Não são poucas as diferenças entre eles, enquanto os Boomers, por exemplo, aceitam as novas tecnologias como uma ferramenta necessária para o trabalho e a vida, os Millennials enxergam nela a promessa de uma vida melhor. Além disso, os mais jovens priorizam itens como independência, flexibilidade e autoexpressão, e por isso não veem problema em mudar de emprego com frequência para obter o que almejam.

 

Por causa dessa busca, os Millennials adquiriram um impulso empreendedor maior, o que pode se revelar como algo muito bom para as famílias que desejam diversificar no mundo dos negócios. Para integrá-los, o ideal é pensar em oportunidades, tanto dentro quando fora do negócio principal. No entanto, se estiverem no negócio principal, vai ser importante se preparar para resolver os conflitos que poderão surgir devido à dificuldade deles em se adaptarem às regras.

 

Conforme descreve o artigo publicado pela Cambridge Family Enterprise Group, talvez o maior desafio no trabalho com essa geração seja a adaptação e a gestão dos seus hábitos de trabalho, já que grande parte dela relaciona produtividade a um espaço de humor e diversão que ainda não é comum no mundo corporativo. Em seu livro Invisible: How Millennials are Changing the Way We Sell, T. Scott Gross afirma que “a maioria dos Millennials diz que as gerações mais velhas têm uma melhor ética de trabalho”.

 

Será que a ética de trabalho da geração Y é realmente mais fraca? Ou apenas difere dos Boomers, pois promove maneiras mais inovadoras e criativas no mundo corporativo? Muito provavelmente a percepção das gerações mais jovens seja diferente justamente em razão da maior incerteza econômica ao seu redor.

 

Ao contrário do que diziam pais e avós, no cenário atual globalizado tudo muda o tempo todo, inclusive algumas profissões tendem a desaparecer nos próximos anos. Portanto, crenças que pregavam aos jovens  para estudar e ter uma profissão, que assim teriam um emprego garantido, ou que tendo um emprego, conseguiriam ter uma vida confortável, não faz mais sentido. Não há mais garantias.

 

Outro ponto relatado pelos Millennials que vale a reflexão é sobre a falta de oportunidades oferecidas pelas organizações, que diante de um mercado altamente competitivo, cada vez mais modernizado e tecnológico, infelizmente vêm pecando ao não demonstrar lealdade com seus colaboradores. Tudo isso gera nos jovens o sentimento de que é mais seguro investir em si próprios do que nas organizações.

 

“Eles nos dizem que não estão interessados em trabalhar em organizações estabelecidas ou em ter carreiras convencionais. Nas famílias empresárias, também ouvimos discussões muito mais sérias sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional – um tema levantado pelos Xs e pelos Millennials, que concordam que o trabalho não deve ser o foco principal da vida”, diz este outro trecho do artigo da  CFEG.

 

Apesar das diferenças, há um campo comum entre eles. Ambos identificam a importância do propósito social e ambiental por parte de suas empresas familiares. Porém, enquanto Boomers investem na interação face a face, os Millennials preferem usar as redes sociais para transmitir ideias e agir. Por que sair de casa para interagir com a comunidade quando a tecnologia proporciona mais impacto?

Como pode observar, não existe uma solução definitiva ou receita para equacionar os conflitos entre todos esses profissionais de diferentes idades, que possuem diferentes motivações e inteligências múltiplas. Com o aumento na expectativa de vida da população e a prorrogação da aposentadoria, que já não acontece aos 60 anos, uma coisa é certa, somos hoje uma sociedade multigeracional, uma economia multigeracional, então, precisamos parar de apontar defeitos uns aos outros, ou seja, nem geração “raiz”, nem geração “nutella”.

 

Todos nós, de diferentes gerações, somos importantes no processo de transformação pelo qual o mundo está passando e precisamos aprender a trabalhar juntos, cada um com suas habilidades, para encontrar soluções para os diversos problemas globais, sejam de natureza social, ambiental ou econômica. Chegamos a um ponto crucial em que o equilíbrio só vai ser encontrado a partir de valores pautados na ética universal e na cooperação! Avante!

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC

Governança como estratégia para fortalecer empresas familiares

As empresas familiares são um componente importante da economia, já que representam 75% do PIB global e empregam 75% da força de trabalho no mundo, segundo dados da KPMG. Nesse sentido, a Governança Familiar surgiu como uma importante estratégia para impulsionar o desenvolvimento e a longevidade do negócio.

Os benefícios são construídos à medida em que a Governança harmoniza e normatiza o funcionamento dos principais pilares que sustentam a dinâmica do sistema empresarial, sobretudo aqueles que compreendem subsistemas nas áreas da gestão, do patrimônio e da família. Porém, na prática ainda temos muito para avançar.

A pesquisa ‘Pratique ou Explique: Análise Quantitativa dos Informes de Governança’, realizada pelo IBGC, EY e TozziniFreire Advogados, que foi divulgada em outubro do ano passado, mostra que apenas 65,3% das empresas brasileiras aderem a práticas de governança. Além disso, pouco mais da metade delas têm um plano de sucessão de diretor-presidente.

Conscientizar-se sobre a importância de preparar pessoas – da família ou não – para ocupar os cargos-chaves na empresa talvez seja um dos maiores desafios da governança. Mas a nova postura vai atuar como antídoto para enfrentar os desafios das organizações que compreendem comunicação, transformações do mercado, avanço tecnológico, comércio eletrônico e a própria globalização.

Os pilares de governança nas empresas familiares são conceitos interrelacionados que trabalham juntos para garantir a saúde do negócio, alinhando os interesses da família e da pessoa jurídica, garantindo a continuidade do negócio e a sua conformidade com as leis e regulamentos pertinentes.

Dessa forma, importante ressaltar quais são os três eixos que fazem com que essa engrenagem funcione: a governança corporativa (poder e controle), a governança familiar (senso de pertencimento e união) e a governança proprietária/societária (proteção do patrimônio).

Acredito que a governança é um caminho sem volta, pois temos um mercado que vem impulsionando a implantação de princípios de transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Além disso, uma estrutura de governança madura contribui para que as decisões sejam tomadas no melhor ambiente possível, beneficiando todos conectados a ela, na empresa, família e na sociedade.

A Samsung é um exemplo de empresa familiar que enfrentou problemas de governança em razão de embates entre os seus membros sobre sucessão e estrutura de gestão. Devido a esta dificuldade, Jay Y. Lee, herdeiro e atual presidente executivo da companhia, decidiu que a liderança da companhia não será automaticamente transferida para a quarta geração da família.

Diante deste contexto desafiador, quando é o melhor momento para implantar a governança? Quanto antes, melhor. Isso significa que independe do estágio no qual um negócio familiar se encontra, já que os princípios direcionadores não são engessados e se adaptam a diferentes empresas, com modelos de negócio e objetivos próprios.

Independentemente de onde a família e a empresa estejam em sua progressão, uma discussão sobre como implementar a governança é atualmente um exercício necessário. Para o Doutor (Ph.D.) em psicologia das organizações pela Universidade de Barcelona e economista pela Universidade Mackenzie, em São Paulo, Werner Bornholdt, a implantação da governança acontece de maneira intuitiva:

“É um processo idêntico ao da reforma de uma casa. Começa com um planejamento (concepções iniciais), aprovação do orçamento (disponibilidade de investimentos) e contratação de um engenheiro ou arquiteto (Consultor externo). No primeiro período da reforma, são removidos móveis, quebram-se paredes, geram-se desconforto e ruídos e aparecem as sujeiras. Implementar a governança nas empresas familiares é um processo de mudanças. Mudanças que geram desconfortos iniciais, mas, quando transpostas, o clima é de orgulho, satisfação e prazer. Como uma casa recém-reformada. A governança nas empresas familiares exige que primeiramente sejam identificados os assuntos que dizem respeito à família, à sociedade e à empresa”.

Uma vez concluída essa etapa, os assuntos voltam a ser unidos e integrados, como a reconstrução das paredes e pintura final da reforma. Os instrumentos unificadores são justamente os órgãos de governança, tais como comitês e conselhos (consultivo, administrativo, fiscal, familiar). Quanto mais estruturados e fortes esses órgãos de governança, melhor vão atender as demandas das famílias, dos sócios e dos executivos.

Contar com profissionais de fora da empresa na hora de implementar a governança, a diretriz estratégica e alinhar a gestão da empresa pode ser essencial. Esse profissional buscará atuar de forma imparcial na mediação de conflitos e levar opiniões de outro ângulo para gestores e membros da família, o que contribuirá de maneira muito positiva na tomada de decisões e, consequentemente, na robustez do negócio!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

Como crescer sendo sustentável?

As empresas de modo geral chegam ao fim do ano prontas para apresentar um balanço positivo de crescimento. Talvez você esteja fazendo isso neste momento, já que a atual sociedade é movida por uma lógica de crescimento infinito que necessita de números cada vez expressivos para validar o sucesso.

 

Deste modo, compartilhamos – no individual e no coletivo – dessa sensação de insatisfação constante que pode inclusive gerar adoecimento. Convido você a repensar se este modelo amplamente defendido e difundido de crescimento, desde a década de 1960, realmente é o que melhor atende à sociedade e ao planeta onde vivemos?

 

Ressignifiquei recentemente o conceito ESG (Environmental, Social and Governance) durante uma aula num curso do IBGC incorporando uma nova ótica ao pilar social, que precisa de um olhar estratégico que vá além da filantropia e inclua fornecedores, clientes, funcionários e a comunidade afetada pela empresa. O caso das Americanas serve para ilustrar a importância dessa “corresponsabilidade”.

 

O crescimento sustentável tem similaridade com a ideia de economia regenerativa debatida pela professora da Universidade de Oxford, Kate Raworth, autora do livro “Doughnut Economics: Seven Ways to Think Like a 21st-Century Economist” (Economia Rosquinha: Sete Formas de Pensar como um Economista do Século XXI), que utiliza o conceito “rosquinha” para ilustrar a importância de equilibrar as necessidades humanas essenciais sem ultrapassar os limites do planeta.

 

Foi importante conhecer a abordagem da Kate Raworth, que defende uma economia holística e sustentável que leve em consideração não apenas o crescimento econômico, como o bem-estar social e a saúde ambiental. Também como partes dos estudos que fiz como Conselheira, numa incursão a Espanha – Barcelona, onde pude ver inclusive visitando empresas locais, que inovação e ESG podem caminhar muito bem juntos.

 

Como agente de governança, tenho multiplicado esse conhecimento e experiências com minha equipe, clientes e parceiros, ajudando a ampliar a perspectiva sobre a necessidade certeira de “ter que crescer para sempre” em ritmo acelerado.

 

Como ficaria o tempo de “maturação” durante esses ciclos de expansão? A economista explica que, ao seguir essa lógica infinita de crescimento, a atual sociedade conseguiu desequilibrar sistemas habitáveis há 11 mil anos. “Sim, crescimento é fonte de vida saudável, mas nada na natureza nada cresce para sempre, o que acontece é que as coisas crescem e depois amadurecem, só assim podem prosperar por longo período”.

 

Saber fazer uso das novas tecnologias disponíveis e ampliar a criatividade são caminhos fundamentais para se chegar a novas respostas sobre o futuro.  Nesse sentido, as empresas familiares precisam dedicar parte do seu tempo para a definição estratégica que enfatize ações de sustentabilidade e inovação, mas na perspectiva observada a partir da obra do arquiteto Antoni Gaudí.

 

Quando visitamos o Templo Expiatório da Sagrada Família, que representa a identidade da capital catalã, na Espanha, somos apresentados a uma obra-prima que ficou inacabada antes da morte de Gaudí e que levou à reflexão sobre este conceito de que nós, seres humanos, “somos obras inacabadas”. Portanto, ao trabalhar a Governança Familiar, é imprescindível incorporar a necessidade de busca permanente de equilíbrio “da rosquinha”, só assim prosperam os negócios, a família e a sociedade.

 

Voltando ao nosso balanço, 2023 foi um ano importante em que conseguimos avançar na consolidação da Governança Familiar e Corporativa entre as empresas mato-grossenses, o que contou com a realização do 1º Fórum de Governança para Empresas Familiares do IBGC – com apoio da Fiemt – e encontros temáticos da Brandão Governança, ambos com membros de famílias empresárias e/ou funcionários chave. A proposta é justamente essa, ajudar empresas familiares a se tornarem ESG, movimento que significa viver essa jornada única e transformadora que visa fortalecer a economia e construir um mundo melhor!  Que 2024 chegue com mais consciência da nossa parte…

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

 

A força dos herdeiros para o negócio familiar

Falar sobre sucessão familiar parece um tema batido. Entretanto, levando em conta que mais de 67% das empresas familiares não sobrevivem à passagem da primeira para segunda geração e que, das remanescentes, apenas 86% chegam à terceira, precisamos continuar insistindo: Sim, os herdeiros representam força para a continuidade dos negócios!

 

Um dos problemas ainda é que grande parte dos comandantes das empresas olham para seus filhos como herdeiros naturais que lhes devem obediência. Delegam a eles papéis secundários, enquanto adiam o encaminhamento da sucessão. Com isso, costumam gerar conflitos que acabarão levando à divisão do patrimônio familiar e ao fim da empresa original.

 

“Uma posição pode ser herdada. As qualidades para exercê-la precisam ser cultivadas”. Gosto dessa frase porque mostra que é preciso tratar o tema com a importância e a seriedade que ele tem, afinal, sucessão familiar se trata de um processo contínuo, complexo e desafiador, que envolve a transferência de poder e controle de uma empresa ou propriedade de uma geração para uma mesma família.

 

A sucessão familiar ocorre em três esferas interligadas. Na esfera da propriedade, os desafios envolvem a transferência de bens, como imóveis, ações e patrimônio. Na familiar, os desafios estão relacionados à dinâmica das relações entre os membros da família, incluindo questões emocionais, expectativas e conflitos. Já na esfera dos negócios, é fundamental garantir uma transição suave de liderança, a fim de manter a continuidade e o crescimento da empresa.

 

É possível reverter? Diversas empresas já enfrentaram dificuldades devido à falta de sucessão familiar. No Brasil, podemos citar casos como o Grupo Pão de Açúcar que passou por uma crise nesse sentido e acabou vendendo parte de seus ativos. No cenário mundial, a gigante dos móveis sueca IKEA passou por desafios similares até nomear um novo CEO externo.

 

Preservar o legado dos negócios da família impacta diretamente na economia global, já que eles representam um elemento essencial para a geração de empregos e a sustentabilidade em longo prazo (65% do PIB e 75% dos empregos gerados no Brasil – IBGE 2021). São caracterizadas pela propriedade e gestão familiar, que transmitem valores, tradições e conhecimentos de geração em geração.

 

Nesse contexto, os herdeiros desempenham um papel fundamental ao trazer consigo não apenas a responsabilidade de preservar a tradição e os valores familiares, como a força necessária para impulsionar o negócio rumo ao futuro. Por isso, um dos principais benefícios dos herdeiros em um negócio familiar é o conhecimento adquirido ao longo dos anos, que mesclam princípios e vivências práticas.

 

Eles também costumam ter um forte senso de compromisso e lealdade com o negócio familiar, pois compreendem que a sua participação é essencial para a preservação da empresa e o bem-estar da família. Quando incentivados, desenvolvem forte visão empreendedora e a capacidade de inovação dos pais e/ou avós. Além disso, costumam observar as tendências do mercado, identificar lacunas e desenvolver soluções criativas.

 

Portanto, a sucessão bem planejada é crucial para a continuidade do negócio familiar. Assim, os herdeiros têm a oportunidade de se preparar e serem capacitados para assumir papéis de liderança. Através de programas de desenvolvimento de talentos, mentoria e aquisição de habilidades relevantes, eles podem se preparar para enfrentar os desafios e responsabilidades que acompanham a gestão da empresa.

 

A transmissão de conhecimento entre gerações pode inclusive promover uma cultura de aprendizado contínuo, em que os herdeiros se beneficiam da experiência acumulada pelos seus antecessores. Na Gerdau, maior multinacional brasileira produtora de aço, por exemplo, o processo de sucessão foi meticuloso, ocorrendo entre 2000 e 2006, com o apoio de cinco consultorias internacionais.

 

O então presidente do grupo, Jorge Gerdau Johannpeter, exigiu um protocolo rigoroso, com cronograma escrito em documento e regras claras para a preparação dos candidatos. A empresa instituiu um conselho executivo e admitiu membros independentes em seu conselho de administração.

 

Apenas após avaliações sucessivas, a disputa ficou entre os primos André e Claudio Gerdau Johannpeter. O anúncio do vencedor, André, foi feito às vésperas de sua posse como CEO da organização. No mesmo momento, Jorge Gerdau assumiu a presidência do conselho de administração e Claudio se tomou diretor-geral de operações (CCO), o número dois da organização.

 

Existem vários outros exemplos bem-sucedidos no Brasil. Na lista, estão herdeiros que inovaram em suas empresas, trazendo novas ideias e abordagens de forma notável, entre eles estão Eduardo Saverin (Facebook), Jorge Paulo Lemann (AB InBev – Ambev), Guilherme Benchimol (XP Investimentos), Luiza Helena Trajano (Magazine Luiza) e David Vélez (Nubank).

 

Tudo bem que não tem como a gente se comparar com os “gigantes” do mercado, mas, segundo o cientista Albert Einstein, “insanidade é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados diferentes”. Afinal, o que você está esperando para iniciar este processo na sua empresa familiar?

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

O que Natura, BMW e Ferrero têm em comum?

No dicionário, encontramos diversas definições para a palavra sucesso, como bom resultado, êxito, triunfo e conquista. Quando levamos o conceito para o contexto empresarial, onde 90% das empresas familiares no Brasil (IBGE 2021) e no mundo são familiares, chegamos a um dos seus pilares fundamentais: a identidade familiar.

Para o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), trata-se de um conjunto de valores, crenças, histórias e tradições que une os membros de uma família e influencia diretamente a forma como conduzem os negócios. É o elemento crucial para a continuidade e a sustentabilidade dessas organizações, que reflete em todas as áreas da empresa.

Existem diversos pontos que merecem destaque quando se trata da identidade familiar. A cultura e a educação são elementos essenciais, pois são responsáveis por transmitir os valores e princípios que moldam a visão de mundo da família. A forma como os membros são educados e inseridos nos negócios familiares influencia diretamente a maneira como eles vão conduzir a empresa no futuro.

Valores como ética, respeito, comprometimento e trabalho em equipe são exemplos de aspectos que devem ser cultivados e transmitidos de geração em geração. A gestão de conflitos também é um aspecto relevante. Nas empresas familiares, os desentendimentos podem ocorrer tanto no âmbito pessoal quanto profissional.

No entanto, é fundamental que os membros da família consigam separar as questões familiares das questões empresariais, estabelecendo mecanismos eficazes para lidar com os conflitos de forma saudável. Isso inclui a adoção de canais de comunicação abertos e transparentes, a busca de soluções consensuais e a valorização do diálogo como instrumento de resolução de problemas.

A comunicação familiar, aliás, é outro ponto-chave para o fortalecimento da identidade familiar nas empresas, pois os membros da família precisam se comunicar de maneira clara e eficiente, promovendo a troca de informações, ideias e opiniões. Essa comunicação aberta e transparente contribui para o alinhamento de objetivos e estratégias, evitando mal-entendidos e promovendo o engajamento de todos os envolvidos.

Podemos encontrar exemplos de empresas familiares brasileiras com forte identidade familiar, como Grupo Votorantim e a Natura e Gerdau. O Grupo Votorantim, fundado em 1918, é uma das maiores empresas familiares do país, com negócios diversificados nos setores de cimento, metalurgia, energia, papel e celulose, entre outros. A família Ermírio de Moraes, controladora do grupo, tem uma forte identidade familiar baseada em valores como responsabilidade social, ética e inovação.

A Natura, empresa de cosméticos fundada em 1969, também se destaca como uma empresa familiar com uma sólida identidade. A família fundadora, controladora da empresa, possui uma visão sustentável e valores ligados à preservação ambiental e ao respeito às comunidades onde atua. Essa identidade se reflete nos produtos, nas práticas empresariais e no relacionamento com os colaboradores e consumidores.

Já no cenário internacional, a BMW, Bayerische Motoren Werke AG, é uma empresa alemã reconhecida em todo o mundo como fabricante de veículos premium, um exemplo notável de uma empresa familiar com uma forte identidade. A história remonta a 1916, quando foi fundada por Karl Rapp e Gustav Otto. Mas, em 1917, a família Quandt, liderada por Camillo Castiglioni e depois por seu filho Herbert Quandt, assumiu o controle da empresa e moldou seu futuro até os tempos atuais.

Walmart: Fundada em 1962 por Sam Walton, é uma das maiores redes varejistas do mundo. A empresa continua sendo controlada pela família Walton, sendo que os membros da família têm participação significativa na administração e propriedade da empresa.

Swarovski: Criada em 1895 por Daniel Swarovski, é uma marca de cristais e jóias de luxo reconhecida mundialmente. A empresa é de propriedade da família Swarovski e mantém uma forte identidade familiar, com membros da família envolvidos na liderança e preservação da tradição da marca.

Ferrero: Fundada em 1946 por Pietro Ferrero, é uma empresa italiana conhecida por marcas como Nutella, Kinder e Ferrero Rocher. A família Ferrero continua a administrar e controlar a empresa, mantendo uma forte identidade familiar em suas operações.

Como podemos ver, não existe uma receita única sobre como fortalecer a identidade familiar. Mas podemos extrair sabedoria de cada uma dessas histórias, porque normalmente essas têm algo em comum, elas combinam o espírito empreendedor com a tradição familiar. Portanto, o essencial é ter consciência dessa interação entre a identidade da família e da empresa e saber explorá-la de modo a fortalecer os negócios e a transmitir às gerações futuras esse legado.

“As empresas familiares duradouras costumam ser o reflexo de famílias empresárias unidas por uma identidade que expressa a personalidade e as aspirações do grupo”, diz a publicação do IBGC Identidade da família empresária: um elemento de coesão para a continuidade dos negócios. Além dos bons exemplos, temos hoje muito mais acesso a conhecimento e recursos para poder alcançar o sucesso que almejamos. Que tal levar essa pauta para o dia a dia da sua empresa familiar e da sua família empresária?

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

O impacto positivo da mulher na Governança

Há uma frase do filósofo alemão Arthur Schopenhauer que diz que “a mulher é um efeito deslumbrante da natureza”. Na Governança Familiar não seria diferente, já que intuitivamente costumamos atuar em vários papéis de maneira incansável para promover o bem-estar da família e da empresa, o que habitualmente é chamada de “Governança invisível”.

Embora desempenhamos funções importantes e com excelentes resultados, ainda há muito que se trilhar no que se refere a igualdade de oportunidades e reconhecimento por esse trabalho. Essa é pauta impulsionada pelo ESG (Environmental, Social and Governance) que vem sendo mais priorizada inclusive por movimentos globais, como a Agenda 2030 construída na Assembleia Geral das Nações Unidas. Em apoio, a ONU Mulheres lançou a iniciativa global “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero”, com compromissos concretos assumidos por mais de 90 países.

Se analisarmos os dados dos últimos oito anos, vamos ver que houve uma evolução: o número de mulheres que ocupam cadeiras nos conselhos de companhias abertas cresceu de 3% para quase 18%, segundo um estudo da Global Board Diversity Tracker, da Egon Zehnder (2022). Isso se deve a uma série de esforços, entre os quais destaco o IBGC na implantação do precursor Programa Diversidade em Conselho (PDeC), desde 2014; e a Saint Paul Escola de Negócios, com o Advanced Boardroom Program for Women – ABP-W, um programa de formação de conselheiras, que é tutorado por Chris Aché, que já tem mais 400 executivas preparadas para ingressar nos conselhos (sou uma delas!).

A representação importa, mas a inclusão é o próximo passo. Ainda temos muito chão pela frente e talvez o primeiro passo seja em relação ao próprio conhecimento, afinal, com os diversos papéis que desempenhamos como temos lapidado nossas competências? Estamos sendo preparadas para ocupar espaços como sócia, conselheiras, auditoras, executivas (diretoras), Governance officers e membros de comitês de assessoramento?

Por se tratar de um processo, muitas vezes acabamos assumindo papéis na Governança com as quais temos mais habilidade, entre eles, impulsionar e encorajar indivíduos e equipes, além de buscar novas oportunidades de negócios, identificar oportunidades e tomar decisões. O perigo é que sejamos reconhecidas somente como “cuidadoras”.

O relato recente de Gabriela Baumgart, presidente do conselho de administração do IBGC, mostra que é preciso coragem para abrir caminho e efetivamente se sentar na cadeira: “Hoje, tenho a felicidade de ter companheiras mulheres, seja em conselhos ou outras atividades exercidas. (…) O caminho é longo, mas posso dizer que é uma alegria poder participar deste movimento de diversidade e inspirar outras mulheres”.

Outro exemplo que destaco como liderança feminina é Solange Cruz Bichara, presidente da escola Mocidade Alegre, que estava há mais de nove anos sem receber o título, e se tornou a campeã do carnaval de São Paulo deste ano. O resultado se deve ao trabalho profícuo realizado por ela, que já recebeu o título de campeã do desfile de São Paulo outras seis vezes, e usou todo seu conhecimento em administração na escola de samba. Achei a história fantástica!

Neste mês de março, em que celebramos o Dia da Mulher, precisamos debater as questões de empoderamento feminino além do aspecto superficial. O cerne não é colocar mulheres para ocuparem “espaços masculinos”, mas construir uma cultura – dentro da empresa e da família – onde esse poder possa ser compartilhado e multifacetado, ou seja, tenha matriz masculina e feminina, levando em consideração o conjunto de habilidades e características inerentes a cada um, só assim teremos o exercício da liderança realizado por homens e mulheres sem distinção ou discriminação.

O grande desafio sem dúvida é criar esse ambiente diverso e inclusivo para que nós, mulheres (e qualquer membro da família), possamos exercer sua plena potência como líderes, sejam nos negócios ou na Governança Corporativa e Familiar. Para isso, é importante abrir espaço genuíno para que inicialmente possamos mostrar nosso ponto de vista, tenhamos desafios reais e vejamos nossas conquistas reconhecidas. Só assim poderemos avançar.

Não existe um único caminho possível, por esse motivo, desenvolver um ambiente em que se possa demonstrar a própria vulnerabilidade e gerar conexões verdadeiras por meio de diálogo e feedbacks será essencial. Sempre descrevo esse “novo caminho” como uma jornada rumo à diversidade.

Como toda transformação, exige tempo e muito esforço de todos os envolvidos. Mas a dedicação também será catalisadora de importantes promotores de integração, união e diálogo na família empresária. Ingredientes como esse fortalecem valores e a longevidade do seu negócio! Parabéns, mulheres! Vamos avançar juntas!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

Os desafios de 2022 nos tornaram melhores!

Mais uma vez chegamos ao final de um ano desafiador para todos os brasileiros, e acredito que fizemos muito! Ao lidar com tudo, política, Copa, macroeconomia e questões pessoais, crescemos, apoiamos, desenvolvemos e estamos cada vez mais nos posicionando como uma empresa que ajuda a família empresária em sua trajetória de perpetuação no mercado, missão esta da qual me orgulho muito.

 

Após quase dois anos voltados forçadamente para “dentro” em decorrência da pandemia, houve mudanças significativas na estrutura das empresas e no modo de fazer negócios. Mas em 2022 conseguimos, com segurança, retomar grande parte das nossas atividades e ganhar o mundo outra vez. Foram meses de muito trabalho, viagens e estudo.

 

Como empreendedora, apreciei este movimento de expansão que me trouxe inúmeras conquistas, entre elas, a cadeira de primeira representante do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) no Capítulo Centro-Oeste da entidade. Missão que vou desempenhar até o ano de 2025 e que significa representatividade da pauta no Mato Grosso.

 

Em um ano de eleições presidenciais, de polarização na sociedade, ainda tivemos oportunidade de debater e refletir sobre diversos temas que afetam sensivelmente a vida dos cidadãos brasileiros e que estão cada vez mais solidificados nas empresas, porque integram os princípios da Governança Corporativa, tais como: transparência, responsabilidade corporativa, prestação de contas e equidade.

 

Foi um ano muito intenso, em que trabalhamos conteúdos que trataram inicialmente do enfrentamento às incertezas do cenário (janeiro), o impacto do etarismo na vida das mulheres no mercado (março), a implantação da governança para “além do horizonte” (abril), o papel da mãe no negócio (maio), a responsabilidade das empresas com o futuro do planeta (junho), o fortalecimento da identidade familiar (julho), o processo de sucessão (agosto), como fazer a escolha do CEO (setembro) e implementar a gestão de riscos (outubro), além de discorrer sobre a impreterível agenda da diversidade (novembro).

 

Hoje, quando olho para trás, parece que vivi dez anos em apenas um diante de tudo que enfrentamos. A Brandão Governança nasceu para ser uma boutique de conhecimentos e experiências voltada à perpetuação dos negócios. Nosso propósito é apoiar a jornada dos nossos clientes na sua evolução, atuando com visão abrangente e aprofundada, integrando negócios e psicologia. E dessa forma atuamos para gerar consciência além dos negócios, o que provoca algumas mudanças importantes, entre elas, decisões empresariais com efeito de longo prazo, conexão entre causa e propósito e conexões genuínas. É totalmente factível e estou vendo isso na prática com os meus clientes: podemos gerar crescimento sustentável, aliando impacto ambiental e socioeconômico.

 

Deste modo, o que estamos fazendo não deixa de ser revolucionário. Estamos conduzindo as organizações em seus processos de Governança e atuando no amadurecimento da família empresária para vivenciar a Governança Familiar e Corporativa. Mato Grosso, como um estado brasileiro pujante e em pleno desenvolvimento econômico, exige uma nova mentalidade dos seus empresários, inclusive das famílias empresárias.

 

Temos que urgentemente ajustar o foco no desenvolvimento de processos de transição e sucessão, com o intuito de obter novos posicionamentos estratégicos, aprimorando assim a dinâmica nas relações entre sócios e na reorganização das estruturas. Por fim, mas igualmente necessário, precisamos atrair e selecionar profissionais de excelência que irão produzir um novo tipo de riqueza, intelectual, científica e no campo de inovações. Aqui especialmente destaco que temos ampliado a participação das mulheres em todas as posições, especialmente liderança (59% das vagas de 2022); e que também nos dedicamos a ampliar as oportunidades para profissionais 40, 50 e 60 mais (36% das vagas de 2022).

 

Ao refletir sobre o ano percebo que três princípios me guiaram em 2022: aprendizado contínuo (continuei estudando, aprendendo temas novas, reaprendendo e tendo grupos diferentes e diversos para trocas); mover-se com propósito (pautei minha atuação e da minha equipe confrontando conforto, lidando com problemas, aproveitando as oportunidades, cooperando e voluntariando) e ampliar a escuta ativa (me esforcei para ter abertura, para lidar com gerações diferentes, segmentos diferentes, meios diversos). Claro que junto de um time coeso, incluindo parceiros de inteligências múltiplas e complementares.

 

Acredito que 2023 chega com uma boa dose de desafios, e que a tônica do ano será consistência e resiliência… junto de novos aprendizados. Como diz o mestre Jon Kabat-Zinn, “Você não pode parar as ondas, mas pode aprender a surfar.” O que você e sua família empresária estão levando de 2022? O que desejam construir juntos em 2023?

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC

Relatório de Ações 2022 – BGCP

O cuidado em preparar a família empresária

Neste mês, temos duas datas que servem como ponto de partida para as reflexões acerca do processo de sucessão nas empresas familiares: o dia das crianças (12) e o dia do professor (15). Afinal, como e quando os herdeiros devem iniciar essa preparação?

Em 2021 a família Votorantim divulgou uma entrevista narrando a trajetória de sucesso nos últimos 103 anos no Brasil que necessariamente passou – e está passando – pelo preparo dos seus herdeiros a partir dos 15 anos de idade.

Mesmo que demonstrem não ter vocação ou não queiram trabalhar na empresa, os herdeiros precisam saber atuar como acionistas. E é natural a complexidade aumentar a cada nova geração, até mesmo pelo número de herdeiros que se multiplica.

Da 4ª geração da Votorantim, por exemplo, faziam parte 23 membros, hoje, a 5ª geração compreende 80. A preparação significa mais que uma excelente educação formal, eles devem conhecer a trajetória da empresa, seus valores e o seu legado.

“A máxima que nos ajudou: tem que antecipar. Se esperar a geração seguinte estar pronta, você corre enormes riscos, inclusive de perder talentos”, disse Cláudio Ermírio de Moraes. Ele explicou ainda que o programa de formação vai até os 35 anos e inclui capacitação para “liderar”.

Em Mato Grosso, temos um cenário peculiar por se tratar de um estado onde o agronegócio é responsável por mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB). Com todos os elementos externos e internos o Valor Bruto da Produção (VBP) da Agropecuária é projetado em R$ 1,357 trilhão em 2022, conforme estimativa realizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Portanto, nada mais justo que uma das preocupações dos nossos produtores rurais seja a sucessão familiar. Antigos hábitos estão sendo retomados, como integrar os filhos desde pequenos à rotina do negócio para que “tomem gosto”, como diz um dos meus clientes, que nos fins de semana costuma levar a esposa e os filhos para a fazenda.

Acontece que algumas décadas atrás, era comum os pais investirem no futuro dos filhos “fora da fazenda”. Eles tiveram acesso a uma educação muito boa, tornaram-se médicos, advogados, empresários, porém, por terem tido pouco contato com a rotina do negócio, uma parte deles não conseguiu dar continuidade ao legado familiar.

Sempre digo que ser membro de uma família empresária é sem dúvida um privilégio, mas traz responsabilidades. A perenidade ao longo das gerações (e isso a família Votorantim mostra muito bem) não vem por acaso, é fruto de preparação e estudo contínuo, algo que o filósofo Leandro Karnal avalia como “learnability”.

A capacidade de continuar aprendendo é um desafio contemporâneo para que possamos nos inserir melhor e mais produtivamente como protagonistas na história do mundo contemporâneo, disse Karnal. É também uma habilidade “chave” para a família empresária: “para que eu possa continuar aprendendo, eu preciso aprender, desaprender e reaprender”.

Voltando a família empresária, existem algumas alternativas a aprender: aprender como ser sócio de um negócio; aprender a ser executivo no negócio; aprender como ser um membro responsável na família a que pertence.

Preparar a próxima geração para herdar e liderar a empresa familiar é o determinante mais importante de uma transferência geracional bem-sucedida. Depende significativamente tanto da geração sênior quanto da próxima geração assumindo papéis ativos no processo.

É preciso existir uma cultura que permita adaptabilidade e agilidade, evoluindo para acompanhar as necessidades e expectativas da geração em ascensão. Sem a capacidade de evoluir com a família e manter um forte vínculo com ela, o risco é alto de se permanecer numa única geração.

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas.

A escolha do CEO e a perpetuação do negócio familiar

Falar em sucessão familiar é sempre um desafio no Brasil. Um dos pontos que chamam mais atenção, hoje, é a seleção estratégica do CEO (Chief Executive Officer), ou simplesmente o executivo principal, que além da qualificação técnica, precisa priorizar o legado da família.

A escolha de um CEO é um processo muito complexo, porque coloca em jogo valores e dinâmicas arraigadas e um conjunto de habilidades especiais. Competências à parte, o profissional precisa entender e apoiar a propriedade familiar, os valores e a cultura da empresa sem deixar de olhar para o futuro.

Quero destacar aqui as vantagens e desvantagens aos diferentes perfis: aqueles que estão dentro da empresa podem estar muito ligados à maneira como são feitas as coisas, o que pode ser prejudicial quando a mudança é necessária, além de uma tendência maior de serem mais tendenciosos e menos práticos. Ao mesmo tempo já possuem credibilidade com o ecossistema da empresa e conhecem a cultura da empresa e da família empresária…

Já os CEOs “de fora” podem não estar tão testados no ambiente da empresa quanto necessário e ainda podem não abraçar os valores o suficiente. Ainda assim, cada perfil pode ser bem-sucedido no contexto certo, mas não em todos os contextos, por isso é importante entender os pontos fortes e as vulnerabilidades de cada um deles.

Pessoas de fora da família podem ter origens variadas fora dos negócios da família antes de ingressar. Podem ser empreendedores como Alexandre Birman (2ª geração), cuja startup fez tanto sucesso que agregou centenas de milhões de dólares em receita à empresa de calçados de sua família, a Arezzo.

Ou podem ser construtores de organizações como Tony Simmons (5ª geração), que construiu uma empresa de manufatura para a Manitowoc Cranes como CEO da Outsider antes de comprar essa empresa e vendê-la, sendo então recrutado pelo fabricante de molho picante (Tabasco) de quinta geração de sua família, McIlhenny Companhia.

A experiência externa dos ‘family outsiders’ pode oferecer maior credibilidade entre a administração e a equipe. Esses CEOs costumam respeitar os pontos fortes da família e da empresa, mas são agentes de mudança agressivos que podem ajudar a empresa a manter o ritmo em setores dinâmicos.

No entanto, é importante fazer algumas destas perguntas ao determinar qual perfil do CEO que se adequa melhor à sua empresa familiar: Onde está sua empresa em seu ciclo de vida? Quais são os principais desafios que sua empresa enfrenta atualmente? Quais são os principais desafios previstos para o futuro próximo? Quais são as visões da sua família e da empresa para os próximos cinco anos?

Ainda, que tipo de mudança, se houver, é necessária para que sua empresa familiar se torne ou permaneça competitiva em seu(s) setor(es)? Quais são as duas ou três habilidades críticas de liderança desejadas em um CEO? Existem membros da família que trabalham atualmente no negócio e estão interessados e capazes de liderar a empresa?

Seja qual for o tipo de CEO que você escolher, ele/ela deve apreciar a cultura de sua empresa, respeitar seus pontos fortes e ser bom em preservar relacionamentos importantes. Porém, também deve ser capaz de afastar a organização das atividades e práticas que a estão impedindo em direção àquelas que podem aumentar os ativos da empresa.

Considere uma pessoa de fora da família especialmente quando é necessária uma reviravolta ou reorientação fundamental da empresa ou quando nenhum membro da família está pronto para ser CEO. Por outro lado, avalie um ‘family insider’ quando a empresa familiar precisa se concentrar na continuidade da cultura e das práticas.

Independente da escolha e mesmo das inovações propostas pelo novo gestor, é importante que os ativos da empresa e todo legado familiar sejam valorizados e preservados, porque, para uma empresa familiar, essa sem dúvida é a alma do negócio!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas (que inclusive recruta e seleciona executivos para empresas familiares).

Governança ou morte!

O objetivo de todo empresário é tornar a sua empresa perene, longeva, com resultados consistentes e que o negócio contribua com a sociedade. Uma forte aliada no alcance desse objetivo é a Governança. E o pontapé inicial pode ser a implantação de um conselho consultivo, para direcionar, acompanhar e avaliar os resultados.

A mudança na mentalidade precisa acontecer rapidamente. Porque aquela antiga forma de gerir o negócio, centralizada e focada no “operacional”, no “fazer”, que direciona a empresa a “adaptar-se às mudanças”, definitivamente ficou para trás. Neste atual cenário, precisamos nos “adiantar” às mudanças.

Com uma experiência de mais de 20 anos atuando nesta área, digo mais, uma empresa para prosperar em longo prazo daqui para frente precisa sair da zona de conforto e ser geradora de “tendências”. Isso não estava no script, mas deve ser incorporado o quanto antes da melhor forma pelas organizações. Para ontem.

Na prática, significa que áreas até então relegadas a segundo ou terceiro plano ganharam destaque. A equipe gestora precisará investir em inovação, de modo a gerar cada vez mais conexão dentro e fora da empresa. Então, você vai me perguntar, como fazer mudanças sem perder o foco do principal?

Primeiramente, não estou dizendo que a excelência operacional morrerá, pelo contrário, ela é um dos pilares da perenidade da empresa, pois faz a sincronia de todas as atividades geradoras de valor, como financeiro, social, relacional e reputacional, sempre seguindo os valores-chave dos proprietários.

Um ponto fundamental está em valorizar o capital mais importante da empresa: o humano. Em tempos de “fake news” e informações divulgadas instantaneamente nas redes sociais, a partir de inúmeras plataformas, precisamos desenvolver um grau de empatia muito maior com o nosso cliente/consumidor.

Já pararam para pensar em como é feita a tomada de decisão daqueles que consomem o que produzimos? Onde pesquisam e o que valorizam em uma empresa? Por que eles irão optar pelo produto A, B ou C? Preço, qualidade e valor agregado, mas, quais são esses valores? Quem é e o que move esse público cada vez mais exigente?

Neste novo cenário, tornou-se vital que os processos de decisão sejam mais estratégicos e todas questões envolvendo o futuro do negócio, a cultura e o monitoramento de resultados sejam compartilhados com um colegiado, formado nos conselhos de governança. Por meio de discernimento, preparo e dedicação, é possível escolher o caminho certo para os primeiros passos de uma jornada bem-sucedida, com impacto positivo para ambos os lados: você e a organização em questão.

Vamos fazer um exercício de imaginação: grandes impérios no mundo se consolidaram nas décadas de 1980 e 90 através de tecnologias até então inovadoras, como câmeras fotográficas, vídeo cassete, discos/DVDs e jornais/revistas de papel (isso vale para outras áreas). Naquele momento seria uma loucura pensar que teríamos uma máquina tão moderna e versátil em mãos, como é o celular, concorda?

Então, se o “eu do futuro” daquelas organizações (e de outras) pudesse voltar atrás, para garantir que elas pudessem sobreviver a tantas transformações, algumas impensáveis, isso exigiria muito mais que a capacidade de se adaptar. Porque, convenhamos, não há meios de conciliar a experiência que temos hoje (com um celular em mãos) a um vídeo cassete ou DVD ou temos?

Quero que você reflita sobre isso e sobre a importância do processo de governança na empresa, para impulsionar as melhorias e inovações necessárias. Talvez o seu negócio seja sólido e tenha atravessado algumas gerações até chegar aqui. Mas, a pandemia veio para nos dar uma grande lição: podemos fazer muito mais, numa velocidade muito mais rápida!

Vivemos uma oportunidade única que se não for aproveitada poderá levar o negócio “de sucesso” ao declínio gradual, como aconteceu com as locadoras de vídeo. Porque hoje temos plataformas streaming muito modernas competindo em qualidade, preço e diversidade, para que tenhamos uma experiência de “cinema” sem sair de casa.

Como você, seus sócios e principais executivos estão se preparando para isso? A governança pode entrar como peça fundamental nesse processo, corroborando e trazendo inovações para as organizações, incluindo startups e empresas públicas, portanto, implantá-la já significa uma grande inovação e avanço, sendo assim, “inovação, governança ou morte!”.

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas

Afinal, é possível preparar a empresa para o processo sucessório?

Com conquistas e desafios, as empresas familiares figuram como parte importante da economia mundial. No Brasil, 90% das empresas são familiares; e dentre as dez maiores organizações (Itaú Unibanco, Grupo Pão de Açúcar, Gerdau e JBS Friboi), a maioria possui atuação conjunta de pais, filhos e/ou netos.  

Afinal, é possível preparar a empresa para o processo sucessório? Obviamente existem “contras”. Um provérbio chinês afirma que “a riqueza não passará três gerações”: a primeira geração constrói, a segunda a administra e a terceira geração a destrói. Nosso desafio, é resgatar a conexão “emocional” das novas gerações pela empresa.  

O caminho para esse processo depende de cada empresa e/ou família, mas, independente das peculiaridades, exige conhecimento, planejamento e muita preparação em um período de médio a longo prazo. A única certeza: não adianta esperar pelo dia derradeiro (morte ou doença), é fundamental iniciar o quanto antes.  

Nós sabemos o quanto é difícil para fundadores e líderes abrirem mão do controle do negócio, porém, de que outro modo as gerações subsequentes poderão se sentir capazes de assumir responsabilidades? Sem assumir esse risco, colocamos em xeque a longevidade da própria empresa e o seu legado.  

 O ingrediente-chave na construção de empresas familiares sustentáveis ​​e orientadas para o longo prazo é a comunicação. A sucessão precisa deixar de ser um tabu para que se estabeleça uma parceria bem planejada entre as gerações e a liderança, e assim o controle do negócio seja transferido em um processo passo a passo.

Deste modo, a empresa permite a adoção tranquila de novos papéis e responsabilidades por todas as gerações. Outro ponto importante é adotar mudanças constantes – com uma visão de longo prazo – abrangendo desde volatilidade geopolítica, interrupções tecnológicas, incerteza econômica e política até a ascensão de novos desafiadores (como China, Ásia e mudanças demográficas). 

Os líderes de empresas familiares de sucesso desenvolvem e empregam seis importantes habilidades estratégicas e características pessoais que os ajudarão a liderar com clareza em tempos turbulentos, dentre elas, podemos destacar “objetivo”, que é clareza de pensamento e visão pessoal e direção para liderar a empresa.   

Além disso, é preciso ter resiliência, ou seja, um caráter forte e a capacidade de se recuperar rapidamente das dificuldades para gerenciar mudanças tumultuadas; lente de longo prazo para pensar e planejar estrategicamente; possuir capacidade de criar redes de conexões capaz de transmitir mensagens e mudanças relevantes de forma eficaz.  

É fundamental ter capacidade de adaptação e agilidade, preservando a harmonia e a paz na família sem bloquear novos pontos de vista e mudanças. Por último e não menos importante, deve-se cultivar uma liderança voltada para pessoas e cultura. Essa “autenticidade” é vital na construção de uma marca e na gestão estratégica.  

A construção do plano de sucessão leva em conta alguns preceitos, como tamanho e complexidade da empresa, o nível de harmonia da empresa e da família, se há participação acionária, como é a estrutura familiar (número de herdeiros e as respectivas gerações), em qual fase do processo sucessório está e qual o modelo de gestão vigente. 

Também é avaliada a estrutura da gestão corporativa e a existência de órgãos complementares (conselho administrativo, conselho fiscal, conselho da família e conselho consultivo). Mas, para que “dê certo” mesmo, alguns paradigmas deverão ser superados, sucedido é “do passado” (velho) e não conta, será? 

Para o professor Peter Drucker, “onde quer que você veja um negócio de sucesso, alguém uma vez tomou uma decisão corajosa”. O maior e mais bonito ato de coragem é trilhar este caminho em que o coração e a mente de todas as gerações trabalham juntos pelo maior legado que é a empresa. Pensem nisso!  

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas

O “timing” certo na sucessão familiar

Neste mês em que celebramos o Dia dos Pais, é importante debater o processo de sucessão familiar num contexto em que 90% das empresas brasileiras têm perfil familiar. Apesar de parecer óbvio que planejar é o caminho para a continuidade do negócio, tomar a decisão e colocá-la em prática é um desafio para grande parte das famílias empresárias.

Meu convite (e apelo) neste momento é para que você não perca o “timing”! Porque é muito comum haver procrastinação quando o tema é sucessão familiar e por vários motivos, entre eles, o mais comum: o apego exagerado das nossas lideranças ao lugar e ao negócio.

Em razão dessa postura, é comum dificuldades para descentralizar, compartilhar e mesmo abdicar do poder, um certo “receio secreto” de que alguém seja capaz de cuidar da empresa tão bem. Para não correr esse risco, o processo de sucessão em geral fica parado, o que não é vantajoso para o negócio, já que a sucessão gera incertezas não só dentro da família empresária, como entre fornecedores, clientes, colaboradores e outros grupos que se relacionam direta e indiretamente.

Portanto, um bom plano de transição e de sucessão familiar deve incluir ações de comunicação com os stakeholders. Isso vai mostrar que a empresa está dando a devida atenção ao assunto e que a mudança integra um processo adequadamente gerenciado, com equilíbrio, transparência e segurança para todos os envolvidos.

Não, isso não é um bicho de sete cabeças. Vamos falar da primeira fase. A construção do plano de sucessão precisa avaliar o tamanho e a complexidade da empresa, a harmonia entre a empresa e a família, se há participação acionária, qual é a estrutura familiar (herdeiros e as respectivas gerações), em qual fase do processo sucessório está e o modelo de gestão vigente.

Outro ponto importante para se levar em conta é a estrutura da gestão corporativa e a existência de órgãos complementares, tais como conselhos administrativo, fiscal, da família e consultivo. É possível listar outros elementos essenciais para você avaliar, entre eles, a escolha do perfil do profissional mais alinhado às características da empresa familiar.

Uma vez definido esse perfil de gestor, é necessário informar ao sucessor o que ele enfrentará nessa trajetória. É fundamental adotar uma governança corporativa e familiar que ajude a tranquilizar os possíveis candidatos e que tenha um meio adequado para a solução de conflitos, preservando família e negócios.

Oriento ainda para a importância de identificar um facilitador que possa dar suporte em relação aos aspectos técnicos e emocionais. É muito válido escolher membros independentes para o conselho de administração e instituir um sistema transparente e contínuo de informação para familiares e sócios. Ou seja, a definição de regras claras é vital para manter a comunicação e alinhar as expectativas.

Mesmo sendo um ponto delicado, precisamos falar da sucessão na propriedade, que envolve todo o patrimônio de uma família: empresas, bens móveis, imóveis e ativos líquidos. A transmissão patrimonial poderá ocorrer em vida (parte ou integralmente) ou estar vinculada ao falecimento do proprietário. Esse processo é um fator-chave na preservação do legado familiar.

Perceba que a sucessão no negócio e na propriedade são processos que se complementam. Provavelmente, a primeira preocupação será identificar e preparar uma nova liderança para a empresa, porém as questões relacionadas à propriedade também são decisivas.

No dia 28 de junho deste ano, participei do Fórum “O papel do sucedido no Agronegócio do IBGC”, moderado pela Melina Lobo Dantas e com a brilhante exposição de Beatriz Brito e depoimentos pessoais de Jaci Dias Melo de Oliveira, Conselheira de Administração e Fundadora do Grupo Natureza em Goiás & Jairo Casagranda, Presidente do Conselho de administração da Diamaju Agrícola, SC e RS.

Foi um evento muito especial, marcado por uma pauta que raramente se vê: falar e ouvir o sucedido, seus desafios, dilemas e aprendizados nessa caminhada da sucessão. De partida a Beatriz trouxe a metáfora do mar revolto e nos chamou a atenção para processos de sucessão: “representam mudanças e transições de diversas ordens e dimensões, são processos complexos e muitas vezes requerem bastante tempo.”

E ainda na questão da empresa familiar lembrou “Os filhos têm mais facilidade para deixar o papel de filhos quando os pais nunca deixam de pensar como pais…” “… enquanto os pais não deixarem os filhos serem pais, eles continuarão sendo filhos…”

Jaci e Jairo brilharam e iluminaram em sua humildade, simplicidade, histórias de vida (ambos perderam seus parceiros e sócios), têm sucesso no negócio, investiram em formação (deles e dos que continuaram), possuem novos sonhos e projetos e consideram que a comunicação entre sucedidos e sucessor é essencial…

Além disso, destacaram que “aceitar que cada um tem seu tempo” é parte dessa jornada de sucessão. Ambos disseram que não foi fácil, e que se alimentam com as novas possibilidades que surgem: “me abasteço de ver os filhos produzindo na continuidade” disse a Jaci. Eu vi muitos clientes neles e senti grande respeito e amor pela história.

Vamos comigo nesta jornada? Fica o convite e um Feliz Dia dos Pais!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas

Identidade familiar como força para os negócios

Além dos laços sanguíneos, outros elos unem as famílias a suas empresas. Esse é o nosso ponto de partida, quero falar um pouco sobre a identidade da família empresária.

Não vou dar uma aula de marketing falando sobre marca, logotipo, ou comunicação visual, até porque essa não é a minha praia, o que eu pretendo é destacar o poder da identidade familiar como força para os negócios.

Buscando na memória, talvez a palavra que melhor expresse o sentido de identidade seja a “coesão”, uma unidade lógica, harmônica e coerente entre a personalidade do grupo familiar e as suas atividades econômicas.

Um grupo familiar com objetivos bem alinhados, enxerga com maior facilidade o sentido da continuidade da empresa e aqui, a identidade familiar torna-se o elemento central, inspirando a união da família em torno de um único objetivo, a sua longevidade.

O que se busca neste processo de construção de uma identidade é semear e colher das fontes primárias, lá onde estão plantados os conceitos básicos, desde a história da criação, passando pelos princípios (elementos irrevogáveis), valores, chegando na visão de futuro, na construção do legado.

De maneira inconsciente, essa identidade tende a se modelar de forma orgânica em torno da personalidade de seus líderes ao longo do tempo.

O grande desafio está justamente na compreensão de que o cerne dessa identidade deve e pode ser construído de forma coletiva, aglutinando os fragmentos positivos de cada indivíduo, para que a identidade transpareça a força da família e dos negócios.

Essa proposta é um convite para a construção contínua de uma identidade que cresce, amadurece e se transforma, sem perder jamais a sua essência.

Os sucessores devem ser os portadores dessa bandeira, e as novas gerações devem ser acolhidas e sempre bem-vindas. A identidade familiar pode se tornar uma das melhores ferramentas para o seu negócio.

Até porque esse caminho é uma via de mão dupla: ao mesmo tempo que a família traz sua identidade para a empresa, também assimila a importância e o valor da preservação da empresa.

Normalmente, o fundador não tem consciência do processo de formalização da identidade, pois está muito preocupado com a gestão do negócio. A segunda geração é que precisa se encarregar de manter o que a primeira construiu.

Com a transferência geracional, o desafio é identificar, formalizar e acolher o que a geração seguinte traz de diferente. Nesse processo, é vital promover um alinhamento com os valores da identidade familiar entre os membros da família, e num segundo momento com os gestores, fortalecendo a cultura e legado familiar.

As gerações futuras precisam ter contato com os atributos que compõem a identidade da família. Quanto mais cedo isso ocorrer, melhor, pois conforme as gerações avançam, o contato com o legado do núcleo familiar fundador tende a diminuir.

“A identidade da organização é uma combinação entre seu propósito (razão de ser), sua missão, sua visão (aonde quer chegar), seus valores e princípios o que é importante para ela e a forma como são tomadas as decisões”, diz o estudo do IBGC, Compliance à Luz da Governança Corporativa, de 2017.

Então ficam as perguntas: Quem somos como família? E como família empresária? Nossa identidade familiar está adequada a nossos negócios? Estamos preparados para entender, aceitar e trabalhar como família no negócio?

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas

 

 

Vida longa às empresas familiares!

O que empresas como Volkswagen, Nike, Swarovski e Walmart têm em comum? Elas estão entre as maiores empresas familiares do mundo, o que desmistifica o conceito de que empresas familiares são pequenas e limitadas. Ainda nos faz pensar: as ‘gigantes’ um dia começaram com uma ideia e cooperação familiar.

Até mesmo o Facebook tem um pezinho nessa história, pois o pai de Mark Zuckerberg recebeu 2 milhões de dólares das ações da empresa em reconhecimento pelo empréstimo de recursos nos primeiros anos do negócio.

Trazendo para a nossa realidade, a maioria das empresas familiares têm em comum as mesmas vantagens e desvantagens inerentes à natureza da sua organização, cujos pontos fortes são o comprometimento, a transmissão de conhecimento e a confiança.

Em contrapartida, existem inúmeras desvantagens que levam cerca de 90% delas a não chegarem à terceira geração. Um dos principais problemas está na complexidade das relações. Outros pontos negativos são a falta de disciplina e o excesso de informalidade em aspectos legais.

Chegar ao topo é perfeitamente possível, porém não é um mar de rosas. Exige investimento e anos de preparação para que se façam as mudanças necessárias. Assim, a empresa conquistará pouco a pouco a musculatura necessária para sobreviver de uma geração a outra.

Qual o primeiro passo a ser dado? Primeiramente, estabelecer um plano de sucessão familiar, permitindo que o pensamento da família empresária rompa as barreiras de seu núcleo e expanda em direção à longevidade de seus negócios. Parece difícil, mas com a ajuda de bons especialistas é factível.

Todo negócio precisa ser governável, por isso adotar melhores práticas de governança tem sido o mecanismo mais adequado para preservar e otimizar o valor econômico da empresa, obter melhorias de gestão, facilitar o acesso a recursos financeiros e não financeiros e administrar conflitos.

A governança corporativa atua em dois círculos de interesses em qualquer tipo de empresa: dos proprietários e gestores. O alinhamento da gestão à estratégia é fundamental para atingir objetivos e metas empresariais. Ele também deve dialogar diretamente com o modelo de gestão adotado.

Como se trata de uma empresa familiar, esse conceito é ampliado para um novo círculo, que é a família, tornando-se uma governança familiar. Para que todo trabalho funcione é necessário criar um mecanismo chamado conselho da família, e é por meio dele que se garante, por exemplo, a adequada separação dos papéis e interesses.

Passa por esse mecanismo a implantação de princípios como transparência e prestação de contas, reforçando a confiança dos envolvidos e facilitando o acesso a recursos e investimentos. Integram também suas ações o ajuste nas relações para haja tratamento adequado de todos os sócios e das partes envolvidas.

No início do trabalho, é importante fazer um mapeamento para clarificar os papéis em cada esfera: no ambiente familiar (pai, mãe, filho, neto, cunhado, genro), da empresa (presidente e, diretor, gerente, comprador, vendedor, financeiro) e da propriedade (sócio, sócio investidor, sócio gestor). Cada um deles tem sua importância e abrangência.

Compreender e respeitar a hierarquia contribui significativamente para a maturidade da família e a profissionalização da empresa. Como podem ver, existem mecanismos que ajudam a família empresária a se organizar, encontrando a forma mais apropriada de acordo com a geração que está no controle e o contexto dos negócios.

Mas não existe uma varinha mágica com solução para todos os problemas e conflitos. O sucesso, neste caso, é fruto de uma construção de toda a família e dos demais envolvidos em prol de um objetivo comum. Vamos pensar sobre isso?

Cristhiane Brandão – Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas

O papel da MÃE na governança familiar

Um dos conceitos centrais da teoria do Psicodrama é o de papel, definido por J. L. Moreno como a unidade psicossocial da conduta. Ou seja, a observação mais simples da nossa forma de estar no mundo é através do desempenho de papéis, e é a partir desse desempenho, desde o início da nossa vida e durante toda a sua extensão, que nós nos tornamos quem somos. É com base nesse conceito de papel que Moreno desenvolve sua teoria das relações interpessoais.

 

E o que essa teoria tem a ver com mães? Quais papéis exercidos pela mulher e como lidar com eles em especial, na família empresária. Afinal, como se equilibrar frente os diferentes papeis?

 

Ainda que a “família seja uma coisa e trabalho outra”, a prática exige jogo de cintura, pois como a mãe vai ser conselheira da empresa e avaliar o executivo, que é o filho? Como apoiar a decisão do presidente do Conselho, que é marido e pai do executivo? Como ser justa nos negócios e na família? Como assegurar o legado dos negócios e da família, equilibrando tempo entre família e negócios?

 

É inegável, a família vem passando por uma transformação tão rápida e profunda que a educação, a convivência e os valores estão permanentemente em xeque. Portanto, é normal a esposa e mãe muitas vezes se sentir perdida e até estressada, pois precisa exercer o papel tradicional de ser “amorosa” sem deixar de “impor limites”.

 

Neste contexto, a família empresária vive um grande desafio: seus integrantes precisam conviver, ter intimidade e ao mesmo tempo disciplina, ou seja, conseguir separar vida pessoal e profissional.

 

Observe que já não é mais tão simples para as empresas sobreviverem no atual cenário altamente competitivo e tecnológico, portanto, é imprescindível desenvolver uma estratégia inteligente para definir com clareza os papeis e sistematizar as práticas para a consolidação do legado da empresa.

 

A mulher novamente é uma peça-chave para a governança familiar devido o seu papel de educadora, que intuitivamente trabalha pela integração da família e valoriza cada passo do processo de desenvolvimento. Ela é uma espécie de “continente”, onde a família se abaste e nutre.

 

Se antes o lugar delas era restrito apenas à casa, ao lar, e isso por muito tempo foi desvalorizado, hoje, tornou-se um valor essencial para a família empresária onde os papeis transitam com menos rigidez. Uma nova concepção de empresa e de família surgiram, mais integrada.

 

O objetivo com a governança familiar é justamente que a família experimente maior leveza na condução do trabalho, o que oferece inclusive uma oportunidade incrível: mais tempo para que mulheres e mães possam cuidar de si mesmas. Elas, sempre tão sobrecarregadas, poderão ter mais qualidade de vida.

 

Porém, é importante compreender que a governança familiar é antes um processo e uma construção. A família empresária precisa olhar para isso, e geralmente a mulher tem mais sensibilidade para compreender o momento necessário.

 

As questões geralmente são endereçadas pela necessidade que se apresenta à família, podendo ser trabalhadas de forma preventiva e alinhadas a todos os envolvidos no processo. Quem fará a sucessão da mãe na família empresária? Quem assumirá os compromissos, responsabilidades e ainda perpetuar: a família, os negócios e a propriedade?

 

Quando ingressamos, então, na esfera dos negócios, percebemos que essa mulher/mãe estende a maternidade para os “filhos funcionários”, cuidando deles, assegurando condições de trabalho, exigindo resultados, e cuidando das estratégias do negócio. E continua cuidando da sua família!

 

A governança bem implementada atua na equidade das relações, permeia a cultura existente, introduz novos interlocutores (conselheiros), cria condições para o futuro do negócio e perspectivas para a família.

 

Seja você mãe, filha, neta, mulher, irmã, sócia, gestora, enfim, cada um dos papeis tem sua importância e abrangência. No desenrolar do processo, naturalmente o peso vai saindo dos ombros de alguns membros da família. Para além dos conflitos, medos e angústias, existe muito amor envolvido na família empresária!

Cristhiane Brandão – Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas

Governança Familiar: um olhar para além do horizonte

Mesmo durante a maior crise mundial, a JBS S.A. apareceu na 22ª posição no Índice das Empresas Familiares de 2021, colocando o Brasil à frente da maioria das 500 maiores companhias do planeta, avaliadas pela EY. Se existe uma estrada para o sucesso, algumas companhias já descobriram.

Outras nove empresas brasileiras fazer parte dessa lista: Marfrig Global Foods S.A., Metalúrgica Gerdau S.A., Votorantim Participações S.A., Companhia Siderúrgica Nacional, Magazine Luiza S.A., Cosan Ltda., Energisa S.A, WEG S.A. e Porto Seguro. Afinal, o que elas têm em comum? Qual o segredo do êxito?

Eduardo Carone, CEO da Atlas Governance, afirma que o nível de organização é fundamental: “Quando você mora sozinho numa ilha deserta, não precisa de regra para nada, pode acordar, comer, nadar e fazer tudo que tiver vontade na hora que quiser. Mas se você morar com mais um ser humano, já precisa ter governança, ou seja, regras de funcionamento e convivência”.

A governança familiar é hoje uma exigência para as empresas familiares que buscam perenidade no mundo dos negócios, principalmente em cenários de crise ou mudanças constantes. É importante destacar que o conjunto de regras serve tanto para grandes corporações, quanto para pequenas.

O primeiro passo é justamente separar o que é “família” e o que é “empresa”. Depois estabelecer regras claras para o funcionamento das relações que envolvem família e negócios, de modo a contemplar todas as gerações existentes na família. As regras do jogo devem ser definidas em conjunto, respeitadas por todos do clã e revisitadas a cada ciclo.

Segundo Werner Bornholdt, implantar a governança nas empresas familiares é um processo idêntico ao da reforma de uma casa. “Começa com um planejamento (concepções iniciais), aprovação do orçamento (disponibilidade de investimentos) e contratação de um engenheiro ou arquiteto (Consultor externo). No primeiro período da reforma, são removidos móveis, quebram-se paredes, geram-se desconforto e ruídos e aprecem as sujeiras”.

Ele explica que colocar em prática a governança nas empresas familiares é um processo de mudanças, que geram desconfortos iniciais, mas, quando transpostas, o clima é de orgulho, satisfação e prazer, a exemplo de uma casa récem-reformada.

A governança nas empresas familiares exige que, primeiramente, sejam identificados os assuntos que dizem respeito à família, à sociedade e à empresa (3 círculos do prof. John Davis). Uma vez identificados, precisam ser separados e isoladamente compreendidos. Concluída essa etapa, voltam a ser unidos e integrados, como a reconstrução das paredes e pintura final da reforma.

O processo de junção e de integração dos sistemas familiar, societário e empresarial se dá por meio de canais de comunicação transparente e de ferramentas. Esses instrumentos unificadores são os órgãos de governança (comitês, conselhos: consultivo, administrativo, fiscal, familiar). Portanto, os órgãos de governança formam e reforçam a integração entre os sistemas por meios de canais competentes. Uma empresa adequadamente estruturada com os órgãos de governança atende às demandas das famílias, dos sócios e dos executivos e forma o alicerce para sua perpetuação.”

A implantação da governança nas empresas familiares, cria condições para que o sonho do fundador, de criar empresas capazes de aliar rentabilidade, crescimento sustentável, capital humano profissionalizado em todos os níveis e, perenidade de gerações, contagie a família no querer se tonar uma família empresária de um negócio com: modelo de gestão fortalecido, alta valorização, redução de riscos, respeito pela sociedade, rentabilidade esperada pelos sócios, sucessor qualificado e perenidade.

Diferente do que imaginamos, o que costuma quebrar mais de 70% das empresas brasileiras não são grandes ameaças externas, mas a falta de organização e planejamento; a ausência de visão estratégica, que nas empresas familiares remetem à sucessão não planejada; e a uma visão de curto prazo tomada pela competência tradicional de excelência operacional.

Enfim, esse é o “G” de Governança da tão falada sigla ESG. Significa que para reverter esse quadro vamos precisar profissionalizar a família empresária.

Um CEO de terceira geração de uma empresa familiar multibilionária nos EUA compartilhou: “Quando todo mundo está operando a máquina, há uma tendência de olhar para o curto prazo e focar nas oportunidades incrementais e não olhar para as oportunidades realmente grandes. O que está no horizonte? O que está além do horizonte?”.

A minha pergunta para você e sua família: o que estão fazendo para ir além do horizonte? A Governança certamente pavimenta essa rota!

 

Cristhiane Brandão – Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas

 

Fatores emocionais impactam sucessão familiar

O processo de sucessão talvez seja a parte mais visível da complexidade de uma empresa familiar, porque envolve emoções, vínculos familiares, planejamento, pactos e uma grande consciência por parte do sucedido e do sucessor. Não se trata, portanto, de um evento isolado e precisa ser construído com suas características próprias que não têm um padrão ou fórmula pronta.

 

Uma pesquisa feita por Elizabeth Kübler-Ross, em 1969, pode ser facilmente aplicada em um processo de sucessão. A autora descreve cinco estágios pelas quais as pessoas passam ao lidar com situações de perda, luto ou tragédia: negação e alívio da raiva, negociação/barganha, depressão, e, por último, aceitação. Em um processo de sucessão algo similar acontece, pois significa o fim para uma etapa da vida e o começo para a outra.

 

No decorrer do processo de sucessão, notam-se vários sinais, principalmente no fundador, como inquietação, preocupação, raiva, que pode ser alternado por alívio, negação, barganha e depressão. Mas, quando bem trabalhada, essa espiral emocional pode moldar um caminho saudável até a nova situação, com aceitação, comprometimento e envolvimento, que reflete no crescimento da família empresária.

 

Quem passa o bastão, apesar de estar certo da sua decisão, geralmente é tomado por um estado de choque ao anunciar seu sucessor. Ao mesmo tempo em que adota em seu discurso que ‘não tem mais pique para tocar a organização’, é comum agir como se a transição efetiva ainda estivesse longe de acontecer.

 

Temos que admitir que dificilmente alguém ficaria feliz em deixar de fazer um conjunto de coisas sobre as quais tem domínio e controle. A situação se torna ainda mais complexa quando a pessoa ainda não encontrou um novo projeto de vida a partir daquele momento e a sensação ao olhar para futuro é de muito medo.

 

Medo gera raiva, inicialmente, de si mesmo por ter se colocado nessa situação ou ainda da família pela tensão da situação. Também é comum querer barganhar: ‘Tenho que ficar pelo menos mais seis meses na empresa porque meu filho ainda não está pronto’. E assim vai ficando, sempre com a justificativa de que o sucessor precisa de mais segurança.

 

Quando o sucedido percebe que não reverterá a situação, a tendência é que ele se deprima ou desmotive. Então, ter auxílio de profissionais que ajudem a tornar o cenário mais claro emocionalmente facilita o processo para o sucedido e para o sucessor, de modo a ajudar a reverter os sentimentos negativos e criar um cenário positivo.

 

Para o fundador, tomar a atitude de sair da empresa não é uma decisão fácil, mas extremamente necessária. É inegável que será um processo dolorido e desgastante, porém, falar abertamente sobre o assunto e preparar-se para a saída, cuidando primeiramente de si próprio, tende a tornar esse momento mais natural e saudável, tanto para o profissional como para a organização.

 

A não consciência sobre esse quadro pode representar o fracasso da transição. Para que a mudança seja efetiva, a pessoa que será sucedida – seja ela o fundador, um herdeiro ou um executivo de mercado – terá de seguir algumas condições básicas, entre elas, assumir o compromisso de planejar, propor e cumprir etapas do processo de sucessão. Ele deve, acima de tudo, transmitir valores, visão e estratégia da empresa, o tripé fundamental para a construção de um negócio sustentável em longo prazo.

 

Nas empresas familiares há muito conhecimento escondido na cabeça do dono, muita expertise e redes de relacionamentos construídas sobre o negócio, e que geralmente são sensíveis e informais. Então, é importante que tudo isso seja compartilhado com o novo gestor, o que precisa estar disponível para ouvir.

 

Diante da complexidade, encontrar parceiros de confiança durante esse período é fundamental. Desde que o profissional esteja aberto para receber feedback, um especialista pode exercer esse papel, organizando e motivando todo o processo, sempre respeitando o profissional como líder. Como tudo isso envolve um longo período, meu convite é: que tal se planejar o quanto antes?

Cristhiane Brandão – Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas