O papel estratégico da Governança no Agro

O agronegócio não é apenas o motor econômico de Mato Grosso, é a identidade de um estado que alimenta o Brasil e o mundo. Responsável por 21,36% do PIB estadual (Sedec, 2023) e líder nacional na produção de soja, milho e algodão (MAPA, 2023), além de ter o maior rebanho bovino com 34,4 milhões de animais (Indea, 2023),  a região vive um paradoxo: enquanto colhe resultados recordes, enfrenta desafios que ameaçam sua sustentabilidade e reputação.

 

Nesse cenário, as boas práticas de governança emergem como um imperativo estratégico para alavancar a transparência, eficiência e competitividade. Em um mercado globalizado, onde consumidores e investidores exigem rastreabilidade e ética, as governanças corporativa e familiar pavimentam a longevidade e sustentabilidade do campo.

 

Mato Grosso, que exporta para mais de 110 países (IMEA, 2024), tem compreendido  que certificações ambientais e sociais (como ESG) não são apenas selos, são passaportes para ‘mercados premium’. Empresas familiares, que dominam o setor, devem adotar estruturas claras de governança, separando interesses pessoais dos negócios. A falta de transparência em processos sucessórios ou na alocação de recursos, por exemplo, pode minar parcerias e afastar investidores.

 

A governança ainda potencializa a gestão para ser eficiente em transformar desperdícios em produtividade. Em um estado onde logística e custos operacionais continuam sendo gargalos, práticas como planejamento estratégico, fiscalização e controle e adoção de tecnologias (como agricultura de precisão) são diferenciais.

 

Para propriedades familiares, o aperfeiçoamento da governança e da gestão — com a inclusão de conselhos consultivos e métricas de desempenho — reduz riscos e amplia a capacidade de inovação. Não se trata apenas de “cortar gastos”, mas de otimizar cada hectare, cada insumo, cada decisão. Aliás, esse é o objetivo, avançar cada vez mais a competitividade dentro e fora da porteira.

 

No contexto global, Mato Grosso compete com gigantes como os EUA (IMEA, 2023), e já sabe que para vencer, precisa ir além da produtividade, é preciso governança que atraia capital, fomente parcerias e garanta resiliência ao negócio. Empresas com governança sólida têm mais acesso a crédito (via taxas menores em linhas verdes, por exemplo) e conseguem diversificar riscos, seja em cenários de crise climática ou volatilidade de preços.

 

Outro ponto a considerar é que a governança familiar bem estruturada ainda evita a fragmentação de terras e preserva o legado entre gerações de produtores. Outros pontos de atenção são: a sucessão e a profissionalização, já que em torno de 30% das empresas familiares no Brasil chegam à terceira geração (Sebrae, 2020), por isso é urgente criar planos sucessórios e capacitar herdeiros; o ambiente regulatório, já que cumprir o Código Florestal e combater o desmatamento ilegal é pré-requisito para evitar barreiras comerciais; e investimentos em tecnologia e educação para acompanhar o avanço na digitalização.

 

Neste Dia do Agronegócio (25), Mato Grosso tem a chance de refletir: queremos ser lembrados apenas por nossa produção ou também pelo valor gerado por meio do impacto deixado a todos os stakeholders (partes envolvidas no negócio)? A governança é um investimento que permite ao agro mato-grossense escalar desafios, manter relevância global e construir um legado que transcende cifras e gerações.

 

A nós, profissionais de governança, cabe um papel histórico de difundir as melhores práticas de governança, fortalecendo pilares como relação societária, fiscalização e controle, monitoramento, estratégia, inovação, cultura e riscos, para que tenhamos o fortalecimento da sustentabilidade, constância, previsibilidade e adaptabilidade no campo.

 

Que esta data seja mais que uma celebração, que seja um compromisso: o de fazer da governança a semente da próxima safra de conquistas. Avante, Mato Grosso! Avante, agronegócio!

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e  Vice-Coordenadora Geral do Núcleo Centro Oeste do IBGC.

 

Da ‘cadeirada’ a reflexões sobre a governança

Não há mais como qualquer um de nós se isentar das responsabilidades com o futuro do planeta. Estamos em meio às eleições municipais que vão definir o destino de mais de 5 mil municípios brasileiros no mês de outubro, mas será que está na nossa agenda debater questões essenciais como segurança alimentar, energética e climática?

Não há mais como qualquer um de nós se isentar das responsabilidades com o futuro do planeta. Estamos em meio às eleições municipais que vão definir o destino de mais de 5 mil municípios brasileiros no mês de outubro, mas será que está na nossa agenda debater questões essenciais como segurança alimentar, energética e climática?

Ou será que vamos seguir o caminho mais fácil e novamente jogar tal responsabilidade nas costas dos outros: do agronegócio, dos políticos ou de qualquer outra empresa/pessoa que não seja nós mesmos?

Acompanhei estarrecida, nesta semana, o episódio de violência física e verbal entre dois candidatos à maior prefeitura do Brasil, São Paulo, que deixaram de focar no essencial, que é um debate de ideias e propostas para melhorar as condições de vida da população e, deste modo, definir os caminhos da grande metrópole que é exemplo para todo país, para travar uma guerra de egos.

Ainda não acredito que aquela cena da cadeira aconteceu. Lamentável. Na segunda-feira, mais uma decepção. Uma nova batalha, agora ‘instagramável’ de memes, frases de efeito, piadinhas irônicas, manchetes sensacionalistas e a viralização do vídeo. Quem ganhou com isso? Ninguém ganhou. Aliás, se pararmos para pensar, todos nós perdemos.

Trouxe essa questão para dizer o quanto é fundamental que cada um se coloque como parte do problema e da solução para as questões que afligem o Brasil e o mundo. Precisamos abandonar essa visão de bem versus mal, porque, afinal, se a natureza tivesse voz, provavelmente nos diria que estamos coletivamente destruindo suas reservas, e que ela muito em breve irá colapsar!

A lógica teria que ser. Vamos ter bons líderes, afinal, repensar o modelo de produção e de vida que vivemos hoje (e que nos expõe à extinção) exige pessoas adultas, preparadas e éticas em espaços de poder. Gente que consiga se sentar em mesas e cadeiras sem atirá-las em ninguém, seja nos candidatos da oposição, seja nos demais setores com quem terá de negociar em busca de soluções.

Em vez de tentar eliminar quem pensa diferente, necessitamos de uma oposição forte, inteligente, igualmente ética, que possa colaborar com novas soluções, fiscalizando e cobrando transparência, como propõe a estrutura das Governanças Corporativa e Familiar. Ou seja, a profissionalização da gestão pública e privada se faz cada vez mais urgente para que possamos vislumbrar um futuro!

Vamos alcançar a marca de 10 bilhões habitantes nos próximos 25 anos, o que significa um incremento de 25% e uma demanda de 60% a mais na produção de proteína animal. Como produzir mais mantendo as fronteiras agrícolas e adotando crédito associado a práticas sustentáveis? De que maneira incluir os 4,8 milhões pequenos produtores – que representam 5,1 milhões de unidades rurais – e, ainda promover a inclusão produtiva (jovens e mulheres)?

Além disso, temos que incluir o risco climático nas análises de riscos de todas as cadeias e segmentos. Um exemplo é Botswana, país africano produtor de um dos melhores sorgo do mundo, que em 2024 conseguiu plantar 60% do potencial de seus campos, mas irá colher somente 10% em função dessas questões climáticas extremas. Outro alerta: completamos, este ano, 12 meses consecutivos de recorde de temperatura global (Climatempo).

“Alimento é paz e poder”, destacou Renata Miranda, secretária de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo do Ministério da Agricultura e Pecuária, durante o evento Global Agribusiness Fórum (GAF), a maior e mais renomada conferência do agronegócio mundial, que desde 2012 reúne autoridades de mais de 60 países, e da qual fiquei extremamente impactada de participar neste ano pelo alto nível de discussões.

Voltei da conferência imbuída de replicar e trabalhar tudo que vi e ouvi, de alertar pessoas, amigos, familiares, clientes, conhecidos e a sociedade em geral (como estou fazendo por meio deste artigo). Como dizem, ‘se correr o bicho pega, se ficar o bicho come’. Não tem como fugir dos desafios desse momento planetário que traz uma crescente vulnerabilidade no processo de produção.

Não importa onde estamos, o sistema vai nos afetar de alguma maneira, seja como consumidores e/ou empresários. Compreender que precisamos de uma mesa equilibrada com os 3 pilares (ambiental, social e econômico) é essencial. Fica o convite, participe com afinco das decisões coletivas e individuais adotando prioridades que se alinhem a um modo de vida mais ético e a um consumo consciente. A mudança que esperamos começa conosco!

 

Cristhiane Brandão é Conselheira de Administração, Consultora em Governança para empresas familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

Mudanças climáticas: um chamado para empresas familiares

Apesar de 95,4% da população brasileira afirmar que tem consciência sobre as mudanças climáticas, conforme pesquisa deste ano do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), é inegável que ainda há muito o que ser feito para que segurança climática, alimentar e energética possam caminhar juntas.

Voltei muito sensibilizada após participar do Global Agribusiness Festival (GAFFFF), o maior festival de cultura agro do mundo, realizado entre 27 e 28 de junho, em São Paulo. Estar presencialmente me deu uma visão sustentada sobre o que está em causa, os obstáculos e os desafios que temos pela frente.

Nos últimos anos, as mudanças climáticas têm se manifestado de maneira cada vez mais evidente e severa ao redor do mundo: com aumento das temperaturas, eventos extremos [como as enchentes no Rio Grande do Sul, furacões, tsunamis e secas] e a acidificação dos oceanos, que são sinais alarmantes de um planeta em transformação. Há estudos que mostram que as áreas tropicais do planeta se tornarão desertos (isso inclui o Brasil!) e que os “novos cerrados” estarão em países como Canadá e Rússia.

Além de afetar os ecossistemas naturais, tais fenômenos exercem forte impacto sobre as populações ao redor do mundo. Outro ponto importante é a segurança alimentar, já que as mudanças climáticas atingem diretamente a produção agrícola, alterando padrões de chuva, disponibilidade de água e condições de cultivo o que pode levar a uma diminuição na produção de alimentos, o que pode resultar em mais fome em localidades vulneráveis.

Em relação à segurança energética, embora nossa matriz energética seja a mais limpa do mundo (segundo a AIE – Agência Internacional de Energia), temos uma missão de ajudar o planeta colaborando com a produção de biocombustíveis e etanol, e no fomento de políticas de estímulo ao uso dos mesmos, inclusive internacionais, o que contribuirá diretamente para a redução do consumo de combustíveis fósseis.

Nesse contexto, empresas familiares, como agentes econômicos e sociais, desempenham um papel crucial na adaptação e mitigação desses impactos. Então, a questão é como o seu negócio poderá minimizar impactos e perenizar para as próximas gerações, sem “legados negativos”?

Para enfrentar os desafios que temos pela frente de maneira eficaz, é essencial alinhar segurança climática, alimentar e energética, já que as três dimensões estão intrinsecamente conectadas e suas soluções complementares podem fortalecer a resiliência global. No livro Gigante pela Própria Natureza, Miguel Setas destaca que o destino da Terra depende de nós e que isso exige adotar uma visão estratégica “estrábica”: um olho no curto prazo e outro no longo prazo (longo mesmo!).

Em 2050, seremos 10 bilhões de pessoas na Terra… e o Brasil pode ser o hub climático do mundo, a partir do seu lugar no mercado internacional de carbono, da sua agricultura sustentável, da produção de energia renovável em grande escala e da indústria verde.

Vale a pena destacar que a inovação tecnológica desempenha um papel crucial no enfrentamento às mudanças às climáticas, desde técnicas agrícolas de conservação até sistemas avançados de armazenamento de energia, há um vasto campo para o desenvolvimento de soluções que promovam a segurança climática, alimentar e energética. “É um novo papel e chance única de progresso verde para o Brasil, nesse mundo em transformação”, afirma Setas.

Outro ponto importante é investir em educação e conscientização com o intuito de sensibilizar o maior número possível de pessoas sobre a importância da sustentabilidade, que vai além de proteção ao meio ambiente, pois compreende modelos econômicos que permitam o equilíbrio econômico, social e ambiental.

Como podemos ver, esse é um desafio global sem precedentes, que significa um “chamado”, sobretudo para as empresas familiares, que podem atuar como catalisadoras de mudanças culturais e comportamentais que promovam um futuro mais sustentável, já que são frequentemente vistas como pilares das suas comunidades.

Mais do que mitigar os riscos, essas empresas podem fortalecer e multiplicar as oportunidades de crescimento sustentável em longo prazo. O futuro do nosso planeta está em jogo e cabe a todos nós assumir uma responsabilidade intergeracional, pensando que aquilo que se decide hoje propaga o futuro com suas implicações… Qual legado você, sua família empresária e sua empresa familiar estão construindo HOJE?

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.