O legado do ‘pai-fundador’ para a empresa familiar

A figura do pai, fundador do negócio, é crucial na consolidação dos valores, princípios e da visão que norteiam a empresa familiar. Ele não é apenas o responsável por dar início à empresa, como pela transmissão de um conjunto de ensinamentos que, se bem preservados, podem garantir a continuidade e o sucesso ao longo das gerações.

 

O pai fundador é, em essência, o pilar sobre o qual a empresa se sustenta. Seu espírito empreendedor, resiliência diante das adversidades e capacidade de inovar são qualidades que definem a cultura organizacional. Esses valores moldam a identidade da empresa e são transmitidos, direta ou indiretamente, aos membros da família que se envolvem na gestão do negócio.

 

Preservar o legado implica, em primeiro lugar, em valorizar e perpetuar os valores que o fundador incorporou à empresa, o que significa mais que as práticas operacionais; trata-se de garantir que a cultura organizacional, o respeito pelas tradições e a ética nos negócios sejam mantidos ao longo do tempo. As empresas familiares que conseguem transmitir esses valores tendem a ser mais resilientes e a prosperar em ambientes competitivos.

 

Essa transmissão de valores requer um esforço consciente que pode ser feito por meio de mentorias, treinamentos e na criação de uma governança familiar que assegure que todos estejam alinhados com os objetivos e a visão de longo prazo estabelecidos pelo pai-fundador. Não se trata apenas de documentar as diretrizes da empresa, exige envolvimento dos herdeiros e outros membros da família em processos que garantam a compreensão e a internalização desses princípios.

 

Sem o processo de governança – e de estruturação desse legado – se torna muito mais difícil e complexo o processo de transição de liderança na empresa familiar. Muitas vezes, o fundador tem uma visão única e uma maneira particular de conduzir os negócios que nem sempre é facilmente replicada por seus sucessores. Por isso, é essencial que essa transição seja planejada com cuidado e que o conhecimento acumulado pelo fundador seja transferido de forma clara e sistemática.

 

O envolvimento precoce dos sucessores na gestão da empresa é uma estratégia eficaz para garantir a continuidade dos valores e práticas do fundador. Além disso, a criação de um conselho de administração que inclua membros da família e profissionais externos pode ajudar a mediar a transição, oferecendo diferentes perspectivas e garantindo que a empresa não perca de vista os princípios que a tornaram bem-sucedida.

 

Inovação e adaptabilidade são palavras-chave nesse contexto. Embora seja fundamental preservar o legado do pai-fundador, é igualmente importante que a empresa familiar seja capaz de inovar e se adaptar às mudanças do mercado. O desafio geralmente está em encontrar o equilíbrio entre manter as tradições e abrir espaço para novas ideias e tecnologias que possam impulsionar o crescimento da empresa.

 

É importante destacar que empresas familiares bem-sucedidas são aquelas que conseguem incorporar a inovação em seus processos sem comprometer os valores essenciais estabelecidos pelo fundador. A importância do pai-fundador (ou mesmo avô-fundador) para a empresa familiar não pode ser subestimada. Na prática, significa a capacidade de evoluir e se adaptar ao mesmo tempo em que se mantém fiel às raízes.

Somente assim a empresa poderá honrar seu passado enquanto se prepara para os desafios do futuro, mantendo viva a essência do pai fundador em cada uma de suas realizações. Alguns exemplos de empresas longevas no Brasil nos mostram isso, entre elas, podemos citar Cervejaria Bohemia (1853), Casa Granado (1870), jornal O Estado de S. Paulo (1875) e Hering (1880).

A Hering, por exemplo, é uma das mais tradicionais empresas de moda brasileira, fundada no ano de 1880 pelos irmãos alemães, Bruno e Hermann Hering, na cidade de Blumenau (SC). A empresa começou uma pequena fábrica de malhas e tricô, que ao longo dos anos se transformou em um dos maiores conglomerados de moda. Além de inovações constantes, slogans criativos, preços acessíveis, a empresa incorporou algumas inovações para ser reconhecida como uma “marca sustentável”. Em 2021 foi adquirida pelo Grupo Soma, “união de gigantes” para potencializar a geração de valor no mercado da moda.

Será que tudo isso seria possível sem um entrosamento harmônico entre passado e futuro? Entre o legado deixado pelos fundadores e os continuadores (sucessores)? Neste Dia dos Pais, quero deixar esta reflexão sobre a importância de conservar nossas raízes, porque são elas que nos garantem resistência para atravessar momentos de tempestades, e que nutrem nossa coragem para poder voar rumo ao sucesso que almejamos em nossas vidas e que estão conectadas à vida no Planeta! Parabéns, pais, avôs e demais figuras paternas que representam essa força amorosa para todos nós!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

O “timing” certo na sucessão familiar

Neste mês em que celebramos o Dia dos Pais, é importante debater o processo de sucessão familiar num contexto em que 90% das empresas brasileiras têm perfil familiar. Apesar de parecer óbvio que planejar é o caminho para a continuidade do negócio, tomar a decisão e colocá-la em prática é um desafio para grande parte das famílias empresárias.

Meu convite (e apelo) neste momento é para que você não perca o “timing”! Porque é muito comum haver procrastinação quando o tema é sucessão familiar e por vários motivos, entre eles, o mais comum: o apego exagerado das nossas lideranças ao lugar e ao negócio.

Em razão dessa postura, é comum dificuldades para descentralizar, compartilhar e mesmo abdicar do poder, um certo “receio secreto” de que alguém seja capaz de cuidar da empresa tão bem. Para não correr esse risco, o processo de sucessão em geral fica parado, o que não é vantajoso para o negócio, já que a sucessão gera incertezas não só dentro da família empresária, como entre fornecedores, clientes, colaboradores e outros grupos que se relacionam direta e indiretamente.

Portanto, um bom plano de transição e de sucessão familiar deve incluir ações de comunicação com os stakeholders. Isso vai mostrar que a empresa está dando a devida atenção ao assunto e que a mudança integra um processo adequadamente gerenciado, com equilíbrio, transparência e segurança para todos os envolvidos.

Não, isso não é um bicho de sete cabeças. Vamos falar da primeira fase. A construção do plano de sucessão precisa avaliar o tamanho e a complexidade da empresa, a harmonia entre a empresa e a família, se há participação acionária, qual é a estrutura familiar (herdeiros e as respectivas gerações), em qual fase do processo sucessório está e o modelo de gestão vigente.

Outro ponto importante para se levar em conta é a estrutura da gestão corporativa e a existência de órgãos complementares, tais como conselhos administrativo, fiscal, da família e consultivo. É possível listar outros elementos essenciais para você avaliar, entre eles, a escolha do perfil do profissional mais alinhado às características da empresa familiar.

Uma vez definido esse perfil de gestor, é necessário informar ao sucessor o que ele enfrentará nessa trajetória. É fundamental adotar uma governança corporativa e familiar que ajude a tranquilizar os possíveis candidatos e que tenha um meio adequado para a solução de conflitos, preservando família e negócios.

Oriento ainda para a importância de identificar um facilitador que possa dar suporte em relação aos aspectos técnicos e emocionais. É muito válido escolher membros independentes para o conselho de administração e instituir um sistema transparente e contínuo de informação para familiares e sócios. Ou seja, a definição de regras claras é vital para manter a comunicação e alinhar as expectativas.

Mesmo sendo um ponto delicado, precisamos falar da sucessão na propriedade, que envolve todo o patrimônio de uma família: empresas, bens móveis, imóveis e ativos líquidos. A transmissão patrimonial poderá ocorrer em vida (parte ou integralmente) ou estar vinculada ao falecimento do proprietário. Esse processo é um fator-chave na preservação do legado familiar.

Perceba que a sucessão no negócio e na propriedade são processos que se complementam. Provavelmente, a primeira preocupação será identificar e preparar uma nova liderança para a empresa, porém as questões relacionadas à propriedade também são decisivas.

No dia 28 de junho deste ano, participei do Fórum “O papel do sucedido no Agronegócio do IBGC”, moderado pela Melina Lobo Dantas e com a brilhante exposição de Beatriz Brito e depoimentos pessoais de Jaci Dias Melo de Oliveira, Conselheira de Administração e Fundadora do Grupo Natureza em Goiás & Jairo Casagranda, Presidente do Conselho de administração da Diamaju Agrícola, SC e RS.

Foi um evento muito especial, marcado por uma pauta que raramente se vê: falar e ouvir o sucedido, seus desafios, dilemas e aprendizados nessa caminhada da sucessão. De partida a Beatriz trouxe a metáfora do mar revolto e nos chamou a atenção para processos de sucessão: “representam mudanças e transições de diversas ordens e dimensões, são processos complexos e muitas vezes requerem bastante tempo.”

E ainda na questão da empresa familiar lembrou “Os filhos têm mais facilidade para deixar o papel de filhos quando os pais nunca deixam de pensar como pais…” “… enquanto os pais não deixarem os filhos serem pais, eles continuarão sendo filhos…”

Jaci e Jairo brilharam e iluminaram em sua humildade, simplicidade, histórias de vida (ambos perderam seus parceiros e sócios), têm sucesso no negócio, investiram em formação (deles e dos que continuaram), possuem novos sonhos e projetos e consideram que a comunicação entre sucedidos e sucessor é essencial…

Além disso, destacaram que “aceitar que cada um tem seu tempo” é parte dessa jornada de sucessão. Ambos disseram que não foi fácil, e que se alimentam com as novas possibilidades que surgem: “me abasteço de ver os filhos produzindo na continuidade” disse a Jaci. Eu vi muitos clientes neles e senti grande respeito e amor pela história.

Vamos comigo nesta jornada? Fica o convite e um Feliz Dia dos Pais!

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas