Olhos de águia na governança familiar

Em condições ideais, a águia-de-asa-redonda (Buteo buteo) consegue focalizar um ratinho tentando se esconder no gramado enquanto voa a 5 mil metros de altitude, o maior alcance entre todas as espécies do planeta. Você já se perguntou até onde a sua visão consegue ir?

Destacamos essa capacidade de “ganhar altitude e monitorar sinais de mudança” – a exemplo da águia – como a principal tendência para o sucesso da família empresária no cenário atual de mudanças e incertezas. É fundamental que as empresas familiares estejam em constante exploração, ou seja, com os olhos no futuro. A previsão estratégica, que tem suas raízes no planejamento de cenários, vem sendo uma ferramenta valiosa para essa finalidade. Com isso, é possível desenvolver um ponto de vista sobre o que provavelmente acontecerá, identificando opções estratégicas para tomar decisões mais acertadas.

Outra tendência é desenvolver uma gestão capaz de captar e experimentar novas ideias, modelos de negócios e métodos de criação de valor, de modo a permitir um movimento cada vez mais necessário de “agilidade” no portfólio e na organização da empresa familiar. “Você não pode parar as ondas, mas você pode aprender a surfar”, diz a famosa frase do professor americano Jon Kabat-Zinn.

As organizações preparadas para o futuro incentivam a participação em eventos regionais, nacionais e mundiais; monitoram tendências e tecnologias e, principalmente, conversam com os clientes sobre suas necessidades e preocupações. Se por um lado entre as maiores oportunidades estão o comércio eletrônico, à medida que os consumidores se digitalizam, o maior desafio é desenvolver segurança cibernética.

Um tópico-chave no cenário de hoje é justamente a implantação de um roteiro de “transformação digital” que, segundo especialistas, deve começar com a compreensão de como as novas tendências de inteligência artificial, robótica, big data, mídia social, internet e a revolução da digitalização podem ser aplicadas ao seu negócio. Entre os questionamentos pertinentes que você pode fazer estão:

“Estamos atrasados? Começando a ser digitalmente capazes? Dominando e alavancando a tecnologia digital? Transformando digitalmente?”. As respostas vão definir oportunidades, ameaças e ajudar na tomada de decisões estratégicas frente à inevitável ‘Era Digital’. Os planos precisam mesclar melhorias de produtos, processos e serviços, e inovações que levam a novos produtos, serviços e modelos de negócios.

Por falar em sucesso, existem ainda cinco ingredientes essenciais que representam a base de sustentação para famílias empresárias: (1) ser uma família orientada por propósitos, (2) viver de acordo com valores familiares fundamentais compartilhados, (3) buscar uma ampla definição de valor, (4) desenhar uma empresa familiar dinâmica e (5) gerenciar a “riqueza total” da família.

O propósito ou missão serve como resposta à pergunta: “O que estamos tentando realizar juntos como uma família empreendedora?”. Uma declaração de missão familiar que seja convincente e alcançável e criada com a participação de toda a família, pode ser um instrumento poderoso e motivador. Com o mundo em rápida mudança, a missão deve ser reavaliada e refinada à medida que as situações e os interesses mudam na família e entre as gerações dela.

Viver de acordo com valores familiares compartilhados, especialmente em tempos difíceis, cria orgulho e unidade na família. Famílias bem-sucedidas veem seus empreendimentos como centros que expressam valores familiares e apoiam o sucesso multigeracional.

Nesse sentido, o valor financeiro é um tipo de valor necessário, mas não suficiente, o que significa que ele precisa ajudar a expandir os negócios e outros ativos da família financiando a filantropia familiar e outras atividades compartilhadas. Uma coisa leva a outra, portanto, é importante que se faça um “desenho dinâmico da empresa familiar”, que aborde os diversos interesses, capacidades e objetivos dos membros da família. O objetivo é aumentar o engajamento da família consigo e com o negócio.

Alguns membros da família irão gravitar para a construção de valor a partir da empresa familiar; outros podem preferir construir valor por meio de atividades filantrópicas ou outras atividades da família. Quanto mais membros da família puderem se conectar e contribuir para a empresa familiar, maior será a probabilidade de a família permanecer unida e comprometida com a empresa.

Por fim, é imprescindível gerenciar a “riqueza total” da família que inclui as várias ações de valor que ela ganhou ao longo do tempo (financeiras, reputacionais, etc), para que continuem gerando retornos adequados ao investimento de tempo e capital da família. Se os retornos precisam aumentar, é importante questionar: a família deve mudar seus ativos/atividades, ou seu consumo, ou as contribuições de talentos?

A gestão estratégica da riqueza total da sua família é um empreendimento complexo que exige forte apoio do proprietário, um processo bem definido e gerenciado e uma governança eficaz. Portanto, meu convite é bastante pertinente: vamos começar agora a construir bases sólidas para o sucesso a partir da governança familiar, vamos desenvolver a tal visão de águia!

 

Cristhiane Brandão, Conselheira de Administração, Consultora em Governança para Empresas Familiares e Coordenadora do Capítulo Brasília/Centro Oeste do IBGC.

 

 

O papel da MÃE na governança familiar

Um dos conceitos centrais da teoria do Psicodrama é o de papel, definido por J. L. Moreno como a unidade psicossocial da conduta. Ou seja, a observação mais simples da nossa forma de estar no mundo é através do desempenho de papéis, e é a partir desse desempenho, desde o início da nossa vida e durante toda a sua extensão, que nós nos tornamos quem somos. É com base nesse conceito de papel que Moreno desenvolve sua teoria das relações interpessoais.

 

E o que essa teoria tem a ver com mães? Quais papéis exercidos pela mulher e como lidar com eles em especial, na família empresária. Afinal, como se equilibrar frente os diferentes papeis?

 

Ainda que a “família seja uma coisa e trabalho outra”, a prática exige jogo de cintura, pois como a mãe vai ser conselheira da empresa e avaliar o executivo, que é o filho? Como apoiar a decisão do presidente do Conselho, que é marido e pai do executivo? Como ser justa nos negócios e na família? Como assegurar o legado dos negócios e da família, equilibrando tempo entre família e negócios?

 

É inegável, a família vem passando por uma transformação tão rápida e profunda que a educação, a convivência e os valores estão permanentemente em xeque. Portanto, é normal a esposa e mãe muitas vezes se sentir perdida e até estressada, pois precisa exercer o papel tradicional de ser “amorosa” sem deixar de “impor limites”.

 

Neste contexto, a família empresária vive um grande desafio: seus integrantes precisam conviver, ter intimidade e ao mesmo tempo disciplina, ou seja, conseguir separar vida pessoal e profissional.

 

Observe que já não é mais tão simples para as empresas sobreviverem no atual cenário altamente competitivo e tecnológico, portanto, é imprescindível desenvolver uma estratégia inteligente para definir com clareza os papeis e sistematizar as práticas para a consolidação do legado da empresa.

 

A mulher novamente é uma peça-chave para a governança familiar devido o seu papel de educadora, que intuitivamente trabalha pela integração da família e valoriza cada passo do processo de desenvolvimento. Ela é uma espécie de “continente”, onde a família se abaste e nutre.

 

Se antes o lugar delas era restrito apenas à casa, ao lar, e isso por muito tempo foi desvalorizado, hoje, tornou-se um valor essencial para a família empresária onde os papeis transitam com menos rigidez. Uma nova concepção de empresa e de família surgiram, mais integrada.

 

O objetivo com a governança familiar é justamente que a família experimente maior leveza na condução do trabalho, o que oferece inclusive uma oportunidade incrível: mais tempo para que mulheres e mães possam cuidar de si mesmas. Elas, sempre tão sobrecarregadas, poderão ter mais qualidade de vida.

 

Porém, é importante compreender que a governança familiar é antes um processo e uma construção. A família empresária precisa olhar para isso, e geralmente a mulher tem mais sensibilidade para compreender o momento necessário.

 

As questões geralmente são endereçadas pela necessidade que se apresenta à família, podendo ser trabalhadas de forma preventiva e alinhadas a todos os envolvidos no processo. Quem fará a sucessão da mãe na família empresária? Quem assumirá os compromissos, responsabilidades e ainda perpetuar: a família, os negócios e a propriedade?

 

Quando ingressamos, então, na esfera dos negócios, percebemos que essa mulher/mãe estende a maternidade para os “filhos funcionários”, cuidando deles, assegurando condições de trabalho, exigindo resultados, e cuidando das estratégias do negócio. E continua cuidando da sua família!

 

A governança bem implementada atua na equidade das relações, permeia a cultura existente, introduz novos interlocutores (conselheiros), cria condições para o futuro do negócio e perspectivas para a família.

 

Seja você mãe, filha, neta, mulher, irmã, sócia, gestora, enfim, cada um dos papeis tem sua importância e abrangência. No desenrolar do processo, naturalmente o peso vai saindo dos ombros de alguns membros da família. Para além dos conflitos, medos e angústias, existe muito amor envolvido na família empresária!

Cristhiane Brandão – Conselheira de Administração em Formação, Consultora em Governança & Especialista em Empresas Familiares. Sócia fundadora da Brandão Governança, Conexão e Pessoas